sábado, 30 de dezembro de 2017

A depressão como fenômeno social no capitalismo



 Um texto que amplia nosso olhar sobre a situação de adolescentes e jovens nos dias de hoje. Colabora para organizar melhor o cuidado e a luta por um novo sistema econômico e social que inclua pessoas e não um sistema que em depressão mata, de modo particular os e as jovens.
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A depressão como fenômeno social no capitalismo
Atualmente, o termo “depressão” tem se igualado à noção de tristeza e pouco se entende sobre seu fator social, já que as tendências da psiquiatria abordam a doença a partir de um ponto de vista biológico e individual
quarta-feira 20 de dezembro| Edição do dia




Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), calcula-se que a depressão afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo, que cerca de 800.000 pessoas se suicidam a cada ano, que 78% dos suicídios ocorrem em países de baixa e média renda, e que o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
A depressão inclui sintomas como perda do sentido da vida, inibição, desesperança, sentimentos de vazio, infelicidade, um mal estar indefinível e generalizado, desinteresse pelo cuidado pessoal e por atividades que antes eram gratificantes, insônia ou hipersônia, fatiga ou perda de energia, dores de cabeça, transtornos alimentares, diminuição do desejo sexual, dificuldade de raciocínio e concentração, ansiedade, sentimentos de culpa, inutilidade e de um profundo e incontrolável sofrimento.
Algumas de suas consequências são o abandono do trabalho ou dos estudos, conflitos conjugais e/ou familiares, alcoolismo e dependência de drogas; do mesmo modo, a depressão não equivale a suicídio, mas este é uma possibilidade em casos graves. O nível depressivo – leve, moderado ou grave – dependerá do histórico psíquico de cada sujeito e dos recursos com os quais possa contar, como as redes de apoio de familiares e amigos.
No México, os índices de suicídio aumentaram catastroficamente, já que no ano de 1994 foram registrados 2.603 suicídios, e em 2016 estes números cresceram aproximadamente 200%, com 6.370 suicídios registrados. De acordo com dados do órgão mexicano Instituto Nacional de Estadística y Geografía (INEGI 2017), 41,3% destas mortes correspondem a jovens de 15 a 29 anos e 3,7% correspondem a adolescentes de 10 a 14 anos de idade.




Fonte: INEGI Estatísticas de mortalidade]

Além disso, é importante destacar que 8 a cada 10 suicídios no México foram cometidos no interior de domicílios particulares (76,2%), segundo dados do INEGI.
O tabu da depressão e seu fator social
Parece um paradoxo que, por um lado, o termo “depressão” seja cada vez mais utilizado e igualado à tristeza ocasional, mas por outro siga sendo um tabu que “deve” ser enfrentado em segredo e de maneira individual – como se sua aparição fosse um traço unicamente individual! Tal tabu transforma a depressão em sinônimo de suicídio, o que se torna um risco para os que dela padecem e são vistos com empatia.
No entanto, não é coincidência que a depressão e suas consequências, como o suicídio, tenham se transformado em uma das principais “doenças do século 21” e uma das principais causas de morte – ou que será num futuro próximo –, em especial para um amplo setor da juventude trabalhadora que vê quebradas suas esperanças de ter uma vida digna, já que as condições de trabalho em que os jovens se inserem a cada dia são mais golpeadas.
A depressão tem múltiplos elementos que não podem ser generalizados porque dependem de cada sujeito, como seu histórico familiar e psíquico; contudo, o fator social é determinante no seu desencadeamento e permanência. Como explica Ana María Fernandez em seu livro Jóvenes de vidas grises (“Jovens com vidas cinzas”), não se pode isolar o contexto social que impossibilita à juventude um planejamento de seu futuro, como têm feito as economias neoliberais que instituem na subjetividade uma quebra de esperança coletiva, o que corresponde a “toda uma estratégia biopolítica de vulnerabilização”.
Tais condições não podem ser explicadas sem se compreender o modo de produção capitalista que a cada dia é mais voraz, que busca aumentar seus lucros precarizando e empobrecendo a vida da classe trabalhadora de conjunto – somente no México há mais de 50 milhões de pessoas em situação de pobreza. E é neste cenário que a juventude se insere num mundo competitivo e a cada vez mais individualista – este setor representa um amplo exército de reserva no mundo do trabalho e enfrenta cada vez maiores dificuldades para estudar, já que possui as piores condições de trabalho e menos de 15% dos que prestam vestibulares para a universidade têm acesso à educação.
O transtorno depressivo e seu crescimento brutal parecem mais ser um sintoma de uma época que reflete a pouca esperança em relação ao futuro, causada pelas condições cada vez mais insustentáveis nas quais vive a classe trabalhadora. Não é de se espantar que este setor sinta um profundo desânimo e tenda à depressão crônica ou ao suicídio.
Como mostram os dados, a maioria dos suicídios ocorre no âmbito privado, mas também existem casos em que claramente se nota o determinante social, como aconteceu em 2012 com Dimitris Christoulas, o aposentado de 77 anos que se suicidou em frente ao parlamento grego. Em parte da carta encontrada nos bolsos do idoso que pôs fim à sua vida, se lia:
“O Governo de Tsolakoglou aniquilou qualquer possibilidade de sobrevivência para mim, que se baseava em uma pensão de aposentadoria muito digna que eu havia pagado por conta própria sem nenhuma ajuda do Estado durante 35 anos. E, dado que minha idade avançada não me permite reagir de outra maneira (ainda que, se um compatriota grego sacasse um kalashnikov [tipo de fuzil], eu o apoiaria), não vejo outra solução que não seja pôr fim à minha vida desta forma digna para que não tenha que acabar revirando lixeiras para poder sobreviver. Creio que os jovens sem futuro algum dia sacarão as armas e as apontarão boca abaixo aos traidores deste país na praça Syntagma, como os italianos fizeram com Mussollini em 1945.”
O capitalismo mostra a mais profunda barbárie contra o conjunto da classe trabalhadora a nível internacional. Por tal razão, dizemos: nossas vidas valem mais que seus lucros!
Sobre a individualização da depressão e a saída realmente necessária
Dentro do modelo hegemônico da psiquiatria, a depressão é encarada a partir do ponto de vista biológico, individual, a-histórico e associal, que pressupõe uma alteração bioquímica no cérebro, como o desequilíbrio dos neurotransmissores serotonina e norepinefrina.
Esta concepção contribui para que quem sofre desta doença não identifique claramente o que se passa, sofra em silêncio e se isole do mundo externo; além disso, fortalece a ideia de que seja um problema individual, e não social.
No geral, o tratamento para essa problemática consiste na medicação prescrita em um discurso individual e que garante os lucros da indústria farmacêutica. Estas medidas apenas buscam tapar o sol com a peneira e dão uma solução paliativa para os sintomas, mas não chegam à raiz do problema. Cada vez é mais frequente a medicação em idade precoce, seja em quadros infantis de depressão, insônia ou “hiperatividade”, o que faz com que os sujeitos sejam transformados em seres dóceis e produtivos. Se a pergunta é como a medicação beneficia o capitalismo...aí está a resposta.

É necessário construir e fortalecer os laços familiares e sociais que se veem fragilizados pela competitividade, como podem ser os laços de solidariedade entre os(as) trabalhadores(as), para que os sujeitos estejam melhor armados anímica e psiquicamente para enfrentar estas condições. Qualquer solução que não busque a transformação radical da sociedade será impotente, frente à problemática que se desencadeia a partir da precarização da vida e que nos arranca o desejo e o sentido de viver.
Fontes:

Ana Ma. Fernández, Jóvenes de vidas grises: psicoanálisis y biopolíticas
Lilia Esther Vargas (comp.), Lecturas de la depresión.
Tradução: Laura Scisci

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10 comentários:

  1. Concordo tanto. Esse modo de vida capitalista destrói a nós fisicamente e emocionalmente. É violento, desumano. Transformar o mundo é uma questão de sobrevivência.

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    1. Denise eu também, concordei demais da conta, como goiana, este modelo que rompe com qualquer possibilidade de futuro. Se não posso planejar como ser humano perco minha humanidade,e o sentido para a vida. Com a juventude empobrecida creio que os caminhos oferecidos tem a morte como perspectiva: drogas, escola de péssima qualidade, ausência do básico para viver.... violência e morte pelo estado.

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  2. Quando uma pessoa morre de suicídio as pessoas so sabe julgar e não que saber o real motivo por essa pessoa ter feito aquilo. Mais o motivo e as pessoa que machuca nos por dentro e eles tem que se automutilar pra pode tira esse sofrimento por dentro. Também esse mundo e show de terro e qualquer outro lugar seria melhor.

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    1. Nossa cultura tem uma trajetória muito dura com as pessoas que cometem suicídio. E o ato provoca em todos que cercam a pessoa que comete um sentimento de culpa muito alta. Aqui temos um desafio vencer. Construir uma nova postura frente a vida.Não te parece? Carmem

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  3. Gostei do texto pelo caminho que percorre, associando a depressão a um contexto social. No meu departamento, não por coincidência, o curso com graduandos com maior vunerabilidade social é o que possui maior número de atendimento no serviço psicológico da UFG.

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    1. Márcia creio que o povo trabalhador, os jovens empobrecidos por este sistema sofre com a falta de perspectiva de futuro. Porém, acho que a droga é sintoma de uma sociedade doente, ela está presente em todas as classes. Na escola pública onde trabalho na periferia é comum jovens que se mutilam, usam drogas baratas, estão em famílias despedaçadas por este sistema pelo desemprego ou pelo emprego precário... Esta realidade precisa mudar. Obrigada por colaborar no debate, Carmem

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  4. Concordo com o texto até de mais, esse sistema imposto a nós jovens, é muito cruel, nos tira a capacidade de sonhar, de poder ser quem somos, além do fator capitalista, há os fatores que vem agregados a esse jeito esmagador deste modo de vida. Infelizmente a juventude acaba descendo pelo ralo quando não encontra as "oportunidades" que são dadas apenas a alguns e algumas. É difícil se manter nesse mundo quando não temos, escola de qualidade, para sonharmos e traçarmos nosso protagonismo, é difícil ser joven quando nós temos que trabalhar severamente, sem tempo para descansar e ser gente, mais há algo em nós jovens que talvez seja a esperança, a ousadia e a coragem, para esperançar como diz o eterno professor Paulo Freire, esperançar resistindo, lutando para que nós possamos sonhar e poder ser quem somos e que os outros e as outras que não teviram as "oportunidades" possam ter. É difícil até escrever nesse contexto neoliberal e capitalista. Mais é preciso sonhar pra não perder a esperança.

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  5. o sistema neoliberal exclui, traz meios de competição, incentiva o consumo e aprisiona a uma ideologia de perfeição ilusória.
    Talvez desenvolva em algumas pessoas, em alguns jovens, a vontade de pertencer a um mundo fantasioso, distante de sua realidade, trazendo pertubarcões a quem não consegue se enquadrar nessa venda irreal de felicidade(comercio da felicidade). A busca constante de inclusão a esse meio, pode trazer decepções, que levem a depressão.Não pertencer a esse tipo de sociedade, seria um vazio dificil de ser superado, já que o valor nesse meio é dado a quem vence por mérito, a quem tem condições de consumo e participação ao universo do ter, da competição, da auto-imagem, etc.
    Cometer suicídio, é o extremo da solidão, da exclusão, da falta de valor, de escuta, de acolhimento e falta de sentido a vida, não encontrado em uma siciedade que não tem tempo pra escutar, amar, solidarizar, partilhar e compreender a vida ilhada de quem vive a dor da ausência de sentido para viver...

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    1. Geci, os aspectos que você nos oferece para pensar ultrapassa o texto, muito bom. Obrigada por alargar os nossos horizontes e fazer pensar estes aspectos. Carmem

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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