segunda-feira, 28 de maio de 2018

Não sabia que a senhora mordia…’ Diane Valdez





Diante do fato que revela como o Estado trata os jovens e os pobres, nós do Cajueiro queremos manifestar nossa indignação a situação destes adolescentes e de tantos outros/as que vivem a mesma precariedade nos serviços públicos. Nossa solidariedade com os familiares.

Aqui apresentamos uma reflexão da professora Diane Vadez da luta pelos direitos dos adolescentes e parceira do Cajueiro nas lutas por melhor formação. Um texto que vale a pena ler...

Não sabia que a senhora mordia…’

Assim falou um adolescente que cumpria medidas socioeducativas (em um espaço que nem de longe é pra isso), para uma professora quando essa cobrou uma tarefa escolar. Depois, confessou a demora, por não saber ler. E ali estava, para ser ‘ressocializado’, sendo que nunca teve direito a qualquer socialização em sua curta vida! A sordidez do Estado, começara antes dele chegar ali. Começara na ausência do direito básico de todos terem acesso às leituras que permitam acesso a todos os direitos. Não só os fundamentais, pois direitos fundamentais, não transformam vidas. Não mudam histórias! O dia em que a professora me contou sobre a ‘mordida’, semana passada, rimos sobre a sacada (falei até que ia inserir no meu vocabulário), e falamos o quanto o poder público os morde sem qualquer culpa. Morde doído, com desejo sórdido de arrancar o pouco que ainda carregam de perspectivas. 

Ontem, longe de casa, li sobre os adolescentes assassinados pelo Estado em um espaço, já conhecido e denunciado, que nem de longe permite qualquer mudança na vida de quem foi sempre ignorado. Daniel, Douglas Matheus, Elias, Elizeu, Gabriel, Johny, Lucas, Wallace… nove adolescentes, sim daqueles que tem nomes de meninos e que se parecem com os de sua família, pois estão em condição de desenvolvimento, morreram queimados em um lugar que, pela legislação, era para proteger e cuidar, permitindo continuidade de suas vidas em outros formatos, apesar de saber que ninguém segue nenhum caminho com os pés atados na violência submetida diariamente. 

Nove adolescentes morreram asfixiados, queimados, presos e desesperados. Cada um com seus nomes, famílias, tamanhos e motivos de ali estarem para serem mais punidos por sua pele e sua condição social. Sim, são negros e são pobres! Seus corpos foram empilhados feito sacos de qualquer coisa. Foram empilhados para ‘limpar’ o espaço daqueles ‘estorvos’. Nove adolescentes, sob a responsabilidade do Estado, foram mortos pela responsabilidade nunca assumida. A imprensa protege o Estado com a competência que tem se especializado ainda mais nesses tempos de golpe. Protege, justifica, cuida, afaga e abraça um Estado que matou, agorinha, nove adolescentes pobres. 

A culpa é deles! Foram eles que se mataram! Violentos que sempre foram, até pra morrer eles tramaram! Procuraram seus fins! Não iam mudar mesmo! Foi melhor assim!  
Já o Estado, ah, o nosso Estado do cerrado, não tem nada a ver com isso! Pois cumpriu, com sua competência perversa, seu papel de proteger a ‘sociedade’, privando, confinando, isolando, prendendo, encarcerando meninos e meninas que ousaram, ‘sem mais nem menos’, confrontar a lei dos cidadãos de bem. E por falar nesses, que são os mesmos que defendem a pena de morte e  acorrentamento de meninos pobres, seguem rezando, orando, cultuando santos, cantando hinos de olhos fechados, falando mecanicamente ‘vai, ou fica, com dels’, ecoam, aliviados e convictos: 
...Graças a dels, menos nove…. 

O Estado morde, e a sociedade de bem, arranca e dilacera o que resta… Graças a dels…
(Diane Valdez - maio de mais dor)


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