domingo, 16 de abril de 2017

Ressurreição não haverá de se... Por Nancy Cardoso Pereira




Este ano não vai ter ressurreição! não mesmo! Mas “se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé” - me dirá a gente crédula. Exato! Vã. Inútil. Vazia.

Nunca antes na história desse país o cristianismo foi tão eloquente, aparecido, reforçado, bem querido, destemido, poderoso, badalado, celebrado, concorrido, deputado, aclamado, contado aos milhões, contadores de milhões, desfilado por madames, exaltado nos estádios e cantado nas sofrências gospel... mas toda essa pompa num vale nada! num melhora um centímetro a nossa vida em sociedade. O fascismo e a barbárie convivem com cultos, missas e louvores. Sinceramente? o cristianismo entre nós precisa perder importância, descer do salto alto, largar a tribuna e o pedestal, deixar a passarela e o palco se quiser conviver como uma religião entre outras no esforço civilizatório de bem viver.

Há cruzes por todos os lados: do exibicionismo cristão e da brutalidade cotidiana. Somos um país violento e o fervor religioso é também um vetor de intolerância, um combustível do senso comum da fé rasa que condena direitos humanos, prega que “bandido bom é bandido morto”, financia a intervenção interesseira nos territórios indígenas em nome da evangelização de povos e línguas, demoniza as religiões de matriz africana, apoia modelos econômicos de exploração do trabalho, destruição da natureza e acumulação de riqueza, defende um modelo de família patriarcal e promove a extorsão erótica da juventude em louvores auto-referenciados e escapistas mantenedores da ordem burguesa. Fé de mais! Vida de menos!

Foram 61 camponeses/as mortos na luta pela terra em 2016. (CPT)

Foram 138 indígenas mortos em 2016. (CIMI)

30 mil jovens foram assassinados em 2016, 76,5% eram negros. (Anistia Internacional)

De 2003 a 2013, o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54%, passando de 1.864 para 2.875. (ONU)

A taxa de feminicídios no Brasil é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo. (OMS)

Foram registradas 343 mortes de homossexuais no Brasil, entre janeiro de dezembro do ano passado. Ou seja, a cada 25 horas um LGBT foi assassinado. (GGB)

Sendo assim... com todas estas mortes nas costas e a inviável resolução digna e reparadora de cada um/a e todos/as eles/elas... ressurreição não haverá! Permaneceremos no fracasso. A ressurreição como possibilidade reparadora exige a radicalidade da poesia: “ A Morte é agora. Nós somos o túmulo.” - dizia Rubem Alves apontando: “ enquanto os guardas da morte estão dormindo, o divino que mora em nós sai do sepulcro.” (https://rubemalvesdois.wordpress.com/...)

Pois bem: os guardas da morte não estão dormindo e ainda ontem mataram Maria Eduarda entre dois bandidos rendidos no chão. Os guardas da morte do Estado terrorista, machista e racista, contra as maiorias pobres não estão dormindo e o divino? mora em nós? nem não! “A morte é agora. Nós somos o túmulo.”

Não é preguiça de fazer teologia, não! é vergonha na cara, no corpo todo.

É verdade que os Evangelhos são formas de responder ao fracasso de Jesus. Um grande fracasso, um lindo fracasso, mas um fracasso. Jesus bandido bom bandido morto. Entender os Evangelhos como elaboração das comunidades de um projeto, de uma missão interrompida e fracassada, é importante mas não temos que correr para a ressurreição como uma resolução fácil. Ressurreição se houver será nas materialidades de um mundo novo, comunidades de iguais de revoluções necessárias. Agora, não! É a lida com o sofrimento sem razão, a morte do/a inocente a paixão e morte dos/as pobres, o enfrentamento do império o que temos diante de nós. Agora nós somos o túmulo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário