quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Pastoral da Juventude - Belezas e limites - Hilário Dick


Muitos sabem que sei algo de Pastoral da Juventude: pedagogia, história, conflitos, subsídios, manifestações de norte a sul, debates e descobertas. Muitos sabem das coisas bonitas e feias que vivi; muitos sabem que estive nos inícios das articulações; muitos sabem das coisas melhores e piores que escrevi. Duvido que pouca gente andou mais pelo Brasil afora do que eu, quando não tinha 80 anos. Só não pisei nas terras onde veneramos Chico Mendes e também não estive no Amapá e em Roraima porque naquele tempo a gente fazia tudo isso de ônibus. Só.

Muito da proposta pedagógica e teológica da Pastoral da Juventude passou bem perto do meu coração. Reli há pouco um livreto pequeno que escrevi pensando em evangelização da juventude, onde Raquel Pulita fala de “raspar o tacho”. Refiro-me ao Mínimo do Mínimo para anunciar a Boa Nova à Juventude. A vontade é de gravar tudo aquilo em todos e todas que se chamam ou querem ser pejoteiros/as. Não somos do tamanho dos quilômetros que viajamos, mas do tamanho da proposta que levamos em nossas costas.

Quero dizer, contudo, que estou preocupado, inquieto (não sei que adjetivo usar) com relação à Pastoral da Juventude, que é um pedaço de mim. Nos últimos tempos li o texto-base da Ampliada desta Pastoral que se realizará em Crato. É místico ler o cartaz e a capa do texto dizendo SERTÃO PJ - Romper barreiras, renovar a esperança e celebrar a vida; sei do Encontro de Animadores da PJ do meu Estado, em janeiro de 2017, na cidade onde nasci; gostaria de participar do Seminário Nacional sobre as Realidades Juvenis, em novembro, em Itaquara (SP); como é bom poder conversar com lideranças daqui e de lá; ver retiros e acampamentos; sofrer e ver a Pastoral sendo atacada e xingada nas terras de Minas e em muitos lugares. Se há buscas de um lado, há muita ignorância de outro. Até parece que se vive na Pastoral da Juventude o que estamos obrigados a viver em nível político, no Brasil, onde as elites parecem ter ajuntado toda a sua raiva histórica contra os pobres. Como seria bom ver, nas mais de mil Escolas Ocupadas em muitos lugares, a bandeira da PJ... Há um bom tempo que falamos que os grupos da Pastoral da Juventude são, em sua grande maioria, formados de adolescentes e eu me pergunto: que espaço tem esse assunto em “nossos” grupos? Em que escolas estão eles/as?

Estou preocupado com a Pastoral da Juventude por vários motivos, mas o mais forte se relaciona com o comunitário, isto é, com os grupos de base, das paróquias, das comunidades, dos colégios, das montanhas e vales, das periferias e dos centros. Assim como gostamos de sermos visitados, também os grupos de jovens gostam de receber visitas, de palavras de ânimo, de inspiração, de resistência, de mística, de amor ao povo e de solidariedade para todos que os que sofrem. Talvez meus 80 anos se enganem, mas eles dizem que todas mídias não são capazes de substituir o cheiro de asfalto ou a poeira dos pés de uma visita. Vivemos de muitas “reuniões” (não a reunião de grupo de Maria, Chico e Sebastião de 15 anos, lá naquela capela ou lá naquela casa da tia que gosta de nós); falo das reuniões que são para marcar outra reunião, de preferência longe de onde eu moro...

Nossa “organização” não está bem; não se sabe ainda se ela adoeceu ou se nós a fizemos doente. Talvez as duas. Como é bom ver jovens viajando para longe para discutir como fazer surgir e assistir melhor os grupos que existem ou desejam existir. É isso, no entanto, o que acontece? Quais são os debates que fazemos? Carregamos em nós a fome e a sede do comunitário? Somos capazes de rezar estas nossas buscas de viver um protagonismo sadio? A gente se encontra para se encontrar na utopia que vá além do corpóreo e se afunde na utopia da construção de uma nova sociedade que verdadeiramente se ame? Se há planejamentos, somos suficientemente valentes para cumpri-los e exigir dos companheiros/as que sejam de fato, efetivados? Ou fazemos como faz a nossa querida igreja, muitas vezes: planejar para mostrar aos outros o que planejamos?

Gostei demais da ideia das diversas Galileias que a Pastoral da Juventude quer viver sempre e no tempo que vai até a Ampliada de janeiro de 2017. Não vi, contudo, a Galileia da organização, a Galileia que se situaria em Jerusalém, a cidade dos sonhos e dos grandes conflitos de poder. Vivemos uma grande necessidade: a de pensar o modo de vivermos o poder em nossa pastoral, desde o grupo de base até aquele ponto em que sentimos que precisamos de ajuda, também de assessoria. Todos precisamos ter o espírito da grandeza do limite e confessar, com os apóstolos assustados naquele lago: Mestre, ajuda-nos e sentir que Jesus se levantou e ameaçou o vento e o furor das águas e eles pararam e a calma voltou (Lucas, 8, 22ss). 

A Galileia da organização falaria, de modo especial, do comunitário e da organização; falaria da eucaristia, sem a qual não existe comunidade, e da mística, sem a qual somos secos e duros de coração e de juventude. Será que nossas comunidades celebrantes não têm saudade de nós? Algo que me engasga é ouvir dizer: “dessa coordenação, só este ou aquela tem grupo de base…” Muito ruim também ouvir dizer de jovens e adolescentes de grupo que não sentiram falta do/a assessor/a. É verdade que nossa Igreja quer mais “tios” e “tias” em vez de “assessores/as”, mas não justifica a falta deles/as. Desconfio que não se tem coragem de amar as juventudes, especialmente as que incomodam. Isso não é só problemas “dos outros”; é desafio também para “nós”. Precisamos aprender a deixar-nos amar.

Reli a carta-convite que nossa Secretária nacional escreveu. Além de recordar Dom Helder dizendo que “é preciso mudar muito para permanecer o mesmo”, espero que ela não esteja cansada de tanto serviço, cuidando e defendendo a proposta pedagógica de nossa Pastoral da Juventude. Que ela e todos nós saibamos lutar por uma organização sadia, corajosa, profética, presente, mística, serviçal e respeitosa. Fiquei um pouco parado – reflexivo - no “romper barreiras”, no “renovar a esperança” e desconfio que a Galiléia da organização é, de fato, uma grande necessidade, mas não se fala dela. A mudança, talvez, precisa ser grande; tão grande que possamos olhar a esperança de modo diferente, também na organização. É possível? Há vezes que vejo poucos carregando tudo; há vezes que penso que os ombros de uns/umas devem estar roxos do peso que não é ajudado por outros ombros. Para quem ama, de fato, tudo é possível. Até dar a vida para que nasça outra vida. Disse-me alguém que precisamos poesiar-nos = poetizar-nos. A poesia verdadeira é reza; a reza é leve.
Final de outubro de 2016
 Hilário Dick S.J.

3 comentários:

  1. Hilário, amigo querido, amigo dos jovens, amigo da PJ. Que texto bacana! Ao ler fiquei me recordando de uma passagem do evangelho, onde diz que o Reino é como um Homem que tira do bau coisas novas e velhas. Você faz isso com esse texto. O seu olhar de 80 anos é histórico, traz coisas "antigas" que há tempos estão precisando ser cuidadas, a organização e o cuidado com os grupos de jovens, por exemplo. E sua presença sempre preocupada, cuidadosa, percebe coisas novas também.
    Ao ler, fiquei com vontade de sentar junto contigo e com outros e outras de nossa história e da história atual da PJ, que na verdade se misturam e conversar. Acho que seria um papo bom, não? Um beijo. Saudades.

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  2. Envie para o Hilário o seu lindo comentário. Obrigada pela suas reflexões.

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  3. Um olhar profundo e sábio. Cuidadoso e preciso.

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