quarta-feira, 27 de julho de 2016

Partilha da Romaria dos Mártires da Caminhada 2016 - Camila PJ Santa Catarina



Tudo isso começou no 11º ENPJ, em Manaus, quando encontramos o Mirim e ele nos convidou para ir na Romaria. Meses depois, foi feito um grupo no whatsapp, no qual estavam pessoas de várias partes de Santa Catarina. O grupo não conseguiu se mobilizar, contudo ele despertou em mim a vontade de ir de carro para o Mato Grosso, mais especificadamente de UNO, pois ele nos acompanhou em várias visitas a grupos de jovens, nos levou para reuniões, encontros e conferências, e temos um carinho especial por ele (risos).


Um dia, disse ao meu companheiro: - William, vamos a romaria de uno? Ele me respondeu drasticamente que não. Mas não fiquei convencida. Noutro dia, chamei Elvis e Vanessa junto com William, e novamente indaguei: - Vamos a romaria de uno? Para minha feliz surpresa recebi o sim de Vanessa, mas que pouco adiantava porque o companheiro que dirigia precisava aceitar, e mais uma vez William negou a ida. 

Tempos depois, eu já havia desistido da ideia; eis que o William disse estar com vontade de ir pra Romaria. Algo tinha o convencido. Fomos então arrecadando companheiros e companheiras para a aventura. Salomão e Juliana entraram no barco... ou melhor, nos carros. Outros e outras ainda tiveram vontade, mas não conseguiram se ajeitar para ir, e é bom fazer memória, são eles, o Alberto, Sérgio, Ieda, Ana Maba.

O tempo foi passando, e a mobilização só começou a acontecer 3 meses antes da romaria, mas ela aconteceu de um jeito lindo que só. Foi assim que marcarmos nossos encontros presenciais para rezar esse momento bonito.

Ainda na utopia de poder ir para a romaria, começamos a pedir doações para as pessoas, fizemos brigadeiros para vender, e também rifas. E foi muito gratificante ver as pessoas acreditando e sonhando junto esse momento em nossas vidas. Muitos companheiros e muitas companheiras ajudaram com o que podiam, e na verdade, até mais. Houve ajuda em dinheiro, em gasolina, em comida, em artes, em orações, e principalmente em PRESENÇA.

Por conta dessa presença amiga e companheira de tantos, surgiu a vontade de sermos enviados por essas mãos de amigos e familiares. Marcamos então, uma mística de envio e a missa na comunidade. Foi um jeito de acalmar o coração da família que estava “preocupada” no bom sentido, e também um jeito de aumentar ainda mais nossa vontade de estar junto a tantos romeiros.
Aí, já estávamos com o coração aquecido. Era hora de pegar a estrada!

O William, preparou com todo o carinho um caderninho com muitos mapas, telefones e endereço dos lugares aonde seríamos acolhidos, tudo isso feito para que tivéssemos segurança e viajássemos com tranquilidade, só o bom Deus sabe como sou grata por ter esse companheiro generoso.
Mesmo com tanta informação teve horas que nos perdemos, nessas horas era manter a calma e achar nos vários equipamentos a solução. 

Inclusive, precisamos fazer um agradecimento especial aos corações bondosos das pessoas que nos acolheram, pois esses sim, souberam, com tranquilidade, aguardar nossos pequenos, médios ou grandes atrasos.

O primeiro e gostoso encontro foi em Imbaú/PR. Numa paróquia de gente muito acolhedora. Aí, já tinham pessoas queridas nos esperando com um almoço bem quentinho. No final do almoço, elas rezaram por nossa viagem. Continuamos nossa grande aventura. Foram várias paradas e inclusive surgiu um #ForaTemer no caminho, quando passava a tocha olímpica. 

Seguimos viagem, com muitas caras de sono, comidas e música, além é claro, das partilhas de vida e das poses para o fotógrafo Elvis.

Todos nós tínhamos uma função: William – motorista e roteirista; Camila – motorista; Juliana – motorista; Salomão – motorista barbeiro; Vanessa – massagista das meninas e animadora de viagem; Elvis – massagista dos meninos, fotógrafo e animador de viagem; Sara – inimiga do Salomão (aqui não precisam entender não, viu?)

Depois de mais algumas muitas horas fomos acolhidos pelo Tom, amigo de longa data e que sempre vem passar férias na casa da minha mãe em Navegantes. Foi uma oportunidade de conhecer a família inteira dele. Tivemos uma janta gostosa preparada com carinho, com direito a banho quentinho e lugar acolhedor pra passar a noite.

Logo às 5h da manhã, já estávamos na estrada novamente. Desta vez no almoço quem nos acolhia era a Jaqueline, em Jataí/GO. Estava tudo delicioso, e eis que surge mais uma boa notícia: tinha até cama de massagem na casa da Jaqueline. Mais um detalhe, ela também é pejoteira.

Em conversa com a Jaqueline, vimos que não era possível seguir direto até Ribeirão Cascalheira, era preciso parar em algum lugar para descansar. Conversa vai, conversa vem, até que Jaqueline nos arrumou um pouso em Aragarças/GO através de Alberto, seu amigo, onde já havia uma concentração de gente que sairia no início da madrugada para Ribeirão Cascalheira. Assim fizemos. Chegamos a Aragarças e fomos muito bem recebidos por irmãs e pela comunidade em geral. Encontramos pejoteiros de Minas que também eram recebidos ali. Jantamos e dormimos algumas pouquinhas horas e logo seguimos atrás do ônibus, que estava com muitas pessoas animadas; rolou inclusive uma cantoria antes do embarque. Momentos bonitos.

Era por volta das 8h quando chegamos em Ribeirão Cascalheira. A emoção tomou conta de mim quando passamos pelo Santuário dos Mártires. Não dava pra acreditar que estávamos ali. Fiz prece e fomos até o encontro do barracão aonde estavam acontecendo as acolhidas. Falando em acolhida... Ana Karla estava nos esperando na porta inclusive. Ela tem sabor e cheiro de romaria. Disse ela que inclusive de madrugada esta ansiosa pela nossa chegada. Isso é viver da partilha e do abraço. Isso é ser comunidade! Obrigada Ana!

Este dia todo foi incrível, teve dança, teve comida, teve sorriso... E é bom que se marque algumas lembranças disso tudo.

A capela foi o lugar que mais mexeu comigo nesses dias. Dormi lá. Dormi mesmo, por horas e horas. Estava cansada fisicamente, precisava descansar. Mas não era só isso. Aquele lugar mexeu comigo a ponto de me trazer calmaria, reflexão, paz. Também foi ali que chorei, que me doeu e pesou a caminhada, mas pude perceber a cruz e a libertação do Povo de Deus. Não há palavras que deem conta desse momento.


No fim da tarde perdi/roubaram meu celular. Fiquei procurando... E o William me ajudava, porém, o tempo foi passando, e não conseguíamos mais nos achar. Se aproximava a hora do início da caminhada, e eu fui sentindo falta do William, queria ele perto fisicamente de mim, porque sabia que espiritualmente ele já estava. Pensei o quanto às vezes deixamos coisas pequenas e materiais nos atrapalharem. 

Finalmente nos achamos, nos abraçamos e conseguimos nos preparar para o momento da Romaria com o povo todo que ali estava. Era muita gente. Dava pra ver emoção nas pessoas, em nós. Vimos o Pedro. De longe sentia sua emoção contagiando tudo...
Era luz, era dança, era gente...

Os indígenas acenderam a fogueira. Calor para minha alma.
Vale lembrar, era uma mulher indígena...
As mulheres estavam presentes e eram protagonistas em todos os momentos da Romaria e isso me tocou profundamente.

A caminhada foi difícil pra quem já estava cansado fisicamente, mas a cada música era mais dança e isso nos dava mais vida e coragem de tocar em frente.
Noutro dia, a missa marcou o final desse encontro bonito. A missa deu o tom da Romaria. Eram mulheres por toda a parte. Inclusive lendo o Evangelho. Lindo de se ver, e queria que fosse lindo viver também.

Da missa de encerramento, ficou a seguinte frase que um bispo anglicano falou e todos nós respondemos: “Adorar a Deus é estar na luta do povo”. Com ela pude reafirmar profundamente o significado de ser IGREJA, ser POVO DE DEUS.

Depois da missa nos despedimos da casa que nos acolheu nesses dois dias de Romaria. Lá também encontramos o Pedro, não o Casaldáliga, mas o Pereira. Um menino de 5 anos que nos acolheu com um carinho de um gigante. A sua mãe era a Bruna, que auxiliou na Romaria e por isso não pode ficar muito tempo com a gente. Mas sentimos sua presença e acolhida. Prometemos voltar.

Depois de nos despedir de todos, pegamos a estrada para São Félix. Foi a parte mais difícil da viagem. Duzentos quilômetros de estrada de chão, buracos e o que eles chamam de costela de vaca; para nós significam vincos no chão. Normalmente em Santa Catarina faríamos esse trecho em duas horas, ali fizemos em seis horas. Tudo isso pela vontade de pisar descalço sobre a terra profética e vermelha.

Chegamos em São Félix e fomos acolhidos pela Neti, uma mulher querida e alegre. Logo nos recolhemos porque a programação do outro dia era ver o sol nascer, tomar banho no rio Araguaia e estar na casa de Pedro as 7h30 para oração do ofício da manhã.

Foi um pulo, achamos que tínhamos dormido só 15 minutos. Mas às 5h da manhã já estávamos acordados e dispostos.

Estar no Rio Araguaia foi fenomenal. De uma simbologia extrema. O sol vinha com todo seu encanto, e o Salomão nos pedia um minuto de silêncio para a contemplação. Sem dúvidas, Deus nos presenteou com aquele nascer do sol.

Depois desse esplendoroso encontro com as águas fomos à casa de Pedro. Um dos encontros mais bonitos que já vivi. Tenho outros tantos que guardo na memória, também com pessoas especiais, todavia o lugar e as pessoas que aqui moram fazem com que o encontro seja ainda mais íntimo com a caminhada efetiva e afetiva da Igreja dos e para os Pobres, essa igreja que sentimos e chamamos de latino-americana.

A oração do ofício foi linda. Pedro pela manhã está muito bem, fala bastante e quer participar a cada momento. Ele nos acolheu de modo que me senti como se num ventre, ao pegar firme em nossa mão, fazer carinho no rosto e dizer palavras de encorajamento.

Por momentos me senti ao lado de uma multidão, e conto o porquê. Este encontro com Pedro aconteceu por causa de muitas pessoas. Várias delas passavam pela minha cabeça. Disse ao Pedro que muitas pessoas estavam em sintonia, ele também as sentiu. E eu falei pra ele, de algumas. Em especial lembrava do Seu Armando Ferrari, companheiro das CEBS. Ele, Ferrari, é símbolo de resistência e de luta para nós da PJ. Seu Armando nos pedia “encontrem Pedro e tirem uma foto com ele para eu guardar de lembrança”. As fotos foram tiradas, mas tem coisas que só o coração sentiu, e sei que, mesmo de longe, o seu coração também estava presente lá.

Por fim, depois de muito conversar com Pedro, uma hora em especial me marcou. Eu estava conversando com ele quando o William, meu companheiro, se aproximou. Falávamos da importância da mulher na igreja e dizia a Pedro o quanto foi simbólico para mim ter uma mulher fazendo a leitura do Evangelho. Quando o William pegou na mão de Pedro, logo ele retrucou o toque dizendo: “As mulheres são mais importantes”. Essa frase pode ser e causar muitas coisas, inclusive incompreensão. Porém, o que Pedro quis dizer é que as mulheres precisam ser (re)conhecidas na Igreja. Não como quem quer ou precisa se mostrar, mas como quem nunca nem foi “notada”. Dom Pedro e sua Igreja são proféticos/proféticas nisso. Que possamos aprender com isso. Homens e Mulheres.

Depois de lá passamos novamente no Mirim para almoçar e seguir viagem. Até aqui não tinha contado sobre isso, mas tivemos, ou melhor, foi consenso mudar a rota e passar por Goiânia; a viagem seria mais longa, porém muito mais segura. A estrada por Goiás Velho é bem perigosa e tem alguns buracos traiçoeiros. Passar por Goiânia foi surpresa pra nós e para quem nos acolheu. Não conhecíamos a Hélia; ela surgiu ou nós surgimos no mesmo momento dentro do Santuário dos Mártires. Eu estava conversando com o Luis Duarte, sobre amor e vida. Ela viu e perguntou de onde éramos, disse que achava que me conhecia. E quando falou que morava em Goiânia logo perguntamos se podíamos ser acolhidos lá porque queríamos mudar a rota. Ela logo disse que sim.
Agora, gostaria de fazer um parênteses. Mesmo sabendo da história da CAJU, queria muito passar por lá, porém o William já havia me conscientizado que não daria tempo e que não iríamos lá. Quando perguntamos aonde Hélia morava ela disse: Na esquina da CAJU. O William na hora me olhou sem acreditar, mas nem sabia ele o que estava por acontecer...

Visitar a Caju fez com que fizéssemos dessa viagem um espaço de transformação concreta de nossa vida. A partir da visita lá assumimos o compromisso, aliás, o William fez uma profecia:

- Nossa Casa da Juventude em Blumenau terá inauguração no dia 13 de outubro de 2025.
Esse foi o momento que meu coração se encheu de alegria. Ver o William profetizando isso me deu energia e a reflexão de entender que de fato nos encontramos nos outros e outras. Saímos de Blumenau para vivenciar tanta coisa, e voltar para nosso chão com ainda mais vigor e ousadia. Nesse momento senti gratidão por tantos e tantas que já doaram sua vida para pesquisar sobre a juventude e defendê-la. Obrigada.

Ainda depois disso, seguimos viagem, paramos novamente em Presidente Venceslau/SP, e em Imbaú/PR, inclusive parando nas oficinas pelo caminho, pois os carros começaram aprensentar deficiências na potência. Tudo foi superado com muita calma e paciência. Assim, finalmente chegamos em casa, bem e cansados.

A Romaria foi espaço de denunciar injustiças e anunciar a Boa-Nova. Respeitando as mais diversas crenças e renunciando tanta intolerância religiosa. A partir dessa experiência fomos convidados a reafirmar a luta pelos povos indígenas tão machucados pelo sistema capitalista e pelas cercas que limitam a terra. O testemunho de um de nossos parentes era de descaso por esse governo golpista. Ele, indígena do Mato Grosso do Sul, tinha nos últimos tempos sofrido uma série de atentados, tendo um deles lhe deixado uma bala alojada no peito. Chora o povo indígena. Mártires em Vida, pelas Vidas.

A vontade é de relatar e fazer uma conclusão de todos esses dias. Porém, é impossível... Não há conclusão. O que há é chegada, é encontro e reencontro. Sempre começo, nunca fim. 

Por isso, depois dessa grande viagem, novamente iniciamos a história, que você, nosso companheiro e companheira, pode nos ajudar a costurar, rasgar e remendar. Agradecemos seu acompanhamento e amizade até aqui, ela nos faz acreditar num mundo que seja justo, sustentável, solidário e democrático, ou seja, a tão sonhada Civilização do Amor.
Amém e Axé!

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