terça-feira, 14 de novembro de 2017

O Bem Viver e as relações de poder - Múria Carrijo

Ao partilhar na Secretaria Nacional da CPT (Comissão Pastoral da Terra), fagulhas do que foi refletido no Seminário do Bem Viver e Relações de Poder, fui motivada a tentar alinhavar reflexões sobre o Bem Viver, a partir do Encontro Nacional de Formação da CPT e do próprio Seminário. O Encontro Nacional da CPT aconteceu em outubro (Brasília) e o Seminário, em novembro (cidade de Goiás), ambos em 2017.

A motivação preparatória, tanto do Encontro de Formação da CPT como para o Seminário do Bem Viver, partiu do relato de experiências concretas dos povos, nas suas práticas do Bem Viver, seja em âmbito de América Latina, seja nas várias regiões do Brasil.
No Encontro Nacional de Formação da CPT refletiu-se sobre conjuntura política e bem viver, com os povos originários do Brasil e da América Latina. Pessoas que contribuíram com as reflexões: Bruno Lima Rocha, professor de ciência política da Unisinos/RS. Além dele, Lorenzo Soliz (Instituto para el Desarrollo Rural de Sudamerica - IPDRS), trouxe um panorama da história de seu país (Bolívia) e da luta dos povos indígenas. Ele falou que em 1960, período de ditadura, os povos indígenas do altiplano, Aymara e Quechua, retomaram as lutas, em defesa de seus territórios. Em seguida, a boliviana Marta Cabrera, do povo Qhara, reforçou que pela luta (1976 a 1990) os povos indígenas bolivianos conquistaram o direito coletivo sobre seus territórios. Outras pessoas que contribuíram com reflexões: Caciques Babau e Ramon, do povo Tupinambá, território Serra do Padeiro, na Bahia, refletiram sobre a luta do povo Tupinambá na retomada e defesa de seus territórios, a partir do ano 2000.  Sandro Gallazzi, biblista, trouxe reflexões sobre a Bíblia e o Bem Viver. Por fim, Moema Miranda, do Serviço Inter-Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia (Sinfrajupe), provocou diálogos sobre o Bem Viver a partir de uma espiritualidade cósmica de amizade com a Terra. Para ela, “o capitalismo está fazendo muito dinheiro quando ele constrói e destrói. Nessa guerra do capitalismo contra a Terra, temos que definir claramente qual é o nosso lado, como é que nos posicionamos, onde é que nos conectamos com os que estão sendo derrotados. E quais são nossas possibilidades de reconexão”.
Após essas inúmeras reflexões, intermediadas por provocações trazidas pelos grupos, a compreensão das pessoas que estavam no Encontro Nacional de Formação da CPT foi algo parecido com isso: “não se reflete sobre Bem Viver desvinculando-se do Território; a prática do Bem Viver acontece no Território”.

O Seminário do Bem Viver e Relações de Poder, na cidade de Goiás, contou com a contribuição da doutora em Filosofia e Ciências da Religião, Ivone Gebara. Ela refletiu sobre Bem Viver como uma metáfora, um termo que nos apropriamos dele “de forma romântica”, como se os povos Aymara e Quechua já tivessem vivido a plenitude do Bem Viver e nós ficamos com os olhos fixos nesse horizonte “ideal”, almejando alcançar uma realidade que nem é nossa. Ivone nos provoca a desconstruir esse “lugar ideal”, a partir da seguinte reflexão: “a esperança que nos anima não tem lugares pré-estabelecidos de chegada; ela permanece em nós”. E questiona: “Por que estamos usando Bem Viver no lugar de Teologia da Libertação? Por que não falamos de Direitos Humanos e de Justiça nas nossas partilhas sobre as práticas do Bem Viver? Qual é a ética que fundamenta nossa caixinha do Bem Viver? Qual é a política? Qual é a religião? Fica tudo igual? O que o Bem Viver tem a ver com o poder? Como articulamos micro e macro poderes nos moldes do Bem Viver?”


Após profundas reflexões sobre as relações de macro e micro poderes (as quais não relatarei aqui),  Ivone disse algo parecido com isso: O Bem Viver, mais do que um horizonte utópico, exige um tópos (lugar), ou várias topografias. Temos que fazer fluir as energias (poderes), pois ao contribuirmos para que as energias circulem, nós admitimos a responsabilidade social de fazermos fluir a energia da Vida. Esse tópos (ou topografias) nos remete a perguntarmos pelas nossas crenças e convicções (Em que eu acredito?); provoca-nos para uma conversão à realidade... Em vez de ficarmos preocupadas em chegar “a um lugar ideal”, indaguemo-nos: “Quais são as frentes da realidade humana em que podemos atuar? O que podemos fazer? Como devolver a compreensão da realidade às pessoas, dentro do limite de todas as teorias?”

O Seminário Bem Viver e Relações de Poder foi organizado por uma Rede do Bem Viver que tem realizado outros seminários: Cajueiro (Centro de Formação, Assessoria e Pesquisa em Juventude),  Comissão Pastoral da Terra (CPT), CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), Curso de Verão, Pastoral da Juventude (PJ), Missionárias de Jesus Crucificado, Congregação de Nossa Senhora Cônegas de Santo Agostinho, Centro Cultural Cara Vídeo, Cáritas Brasileira, Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB-GO)  e Fraternidade da Anunciação. 

Múria Carrijo Viana, 11 de novembro de 2017.





Fotos - Cajueiro - Célio Amaro







Um comentário:

  1. Que maravilhoso, emocionada de ver as sementes do bem viver sendo espalhadas mundo a fora!e quantas carinhas amigas!!!! Parabéns a todos!

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