quinta-feira, 12 de maio de 2016

E o Lourival deixou herança? Carmem Lucia Teixeira




Já faz  dez dias, um tempo que Lourival partiu e ficou eterno. O desaparecimento de uma pessoa querida deixa um vazio e uma ausência que não tem palavras que podem traduzir. Fui provocada a pensar na herança que ele nos deixou.  Herança é sempre coisa complicada, porque  há interesses que nem sempre compreendemos. Há desejos que foram revelados ao longo de sua vida.

Tem tantos acontecimentos misteriosos. Minha primeira lembrança é do jovem de 17 anos. Em uma caminhada contra o latifúndio, um tempo tenso. Nesta ocasião, o seu grupo apresentou uma peça de teatro, cujo o texto era de Ariano Suassuna, que falava "segura o tacho, que a quentura vem de baixo". Depois ele veio para a equipe de coordenação da PJ da Arquidiocese de Goiânia, cujo assessor era Padre Albano Trinks, um amigo muito querido que partiu antes dos 60anos de câncer. E o Lourival visitou o túmulo na última viagem a Porto Alegre. Coincidência que no dia do aniversário da morte dele. Lori me mandou a foto da cruz com a data e perguntou, que significado tem isto?

Visitou nesta ocasião amigos queridos para ele como Hilário Dick, Fabiane, Edinho.... gente que ele tinha um grande espaço no coração do Lori. Essa viagem era para apresentar a Ciron a terra que ele amava. Aqui está uma das maiores heranças do Lourival cuidar dos amigos/as, visitar, mesmo que longe, mesmo que doente e depois de sessão de quimioterapia, ou seja, as outras pessoas tem prioridade e merece cuidado.

Tenho grande dificuldade de selecionar fatos que explicitam seus desejos que ficam para todos/as nós como herança. Destaco sua capacidade de organizar a história, era muito cuidadoso em guardar detalhes das atividades, e sempre recorria a caminho feito, para dar um passo a mais.

Coisa simples. Tardes de Formação é isto que precisamos agora para mover a juventude e acolher os jovens que chegam em Goiânia! Pronto e está inaugurado uma modalidade e depois, vamos sistematizar, recolher estar experiência e apresentar para que outras pessoas possam realizar.

Coisas grandiosas. Vamos traduzir a experiência do Seminário de Planejamento Participativo? Foram 10 anos de cuidado e estudo, então vamos produzir algo que seja um exercício multiplicador de formação? Então criamos a Escola de Educadores/as de Adolescentes e Jovens. Ela tem poder de capacitar gente que produz coisas novas em todo país.

Acompanhar os jovens em pastoral na perspectiva de formação integral. Tarefa das mais difíceis era não parar em questões internas da vida do jovem ou da Igreja. A formação exigia o acompanhamento nos espaços políticos, Lourival esteve sem medo nos conselhos estadual e nacional da criança e do adolescente, no conselho de juventude. E com que lucidez, e com crítica capaz de fazer avançar. Acompanhar os jovens de Rio Verde que desejam planejar a participação e intervenção na política. Não abandona, mesmo diante das contradições, cobra, colabora e acompanha a campanha e depois mandato. Não tinha medo de ocupar os espaços.

Cuidar da formação pessoal e comunitária. Não tinha condição nenhuma de entrar na Faculdade. Não tinha como pagar as mensalidades. Fez com sacrifícios diário, inclusive de alimentação, nada fez desistir do curso em Anicus/GO. Provocou em nós que testemunhamos a formatura em direito muitas emoções banhadas de risos. Era uma vitória que não se compara a nenhuma maratona. Cada projeto de formação criado para atender à juventude e educadores/as de juventude foi produzido com esmero até o curso de posjuventude que coordenou três turmas em Goiânia/GO.

Preparar pessoas sujeitos da sua história. Quantas vezes, buscou pessoas que estavam nas lideranças para capacitar e para avançar em seus projetos de vida. É incontável. Fizemos juntos tantas aventuras de convidar o povo para participar, só com a promessa de apoio e bolsas. No final deu dava certo, a confiança em Deus era tanta que o Senhor nunca deixou de atender as loucuras feitas.

O Cuidado com a família. Soube acolher a história e as lutas de cada pessoa da sua casa. Recordo sua avó. Como cuidou dela!!! Ela era nossa avó. Que gratidão e amor tinha com sua mãe, dona Abigair. Que cuidado e estava sempre pendente das suas necessidades e dos seus sonhos. E seus irmãos? Cuidou de Altair, seu irmão vítima do alcoolismo, sabia cuidar e acolher em suas debilidades e causava em nós, admiração por sua capacidade de amar. E cada um de seus irmãos, como vibrava com cada um, com o nascimento dos sobrinhos. Admirável a atenção com a Tia Helena e seus filhos.

Organizar tempo para celebrar com comida. Era um ritual as celebrações para o Lourival. Preparar comida gostosa! Ele herdou da mãe e reuniu várias pessoas para a comensalidade. Era engraçado, era exigente, era mal humorado.. era Lourival.

Um pesquisador que buscava novidade. Na especialização em juventude se dedicou com tanto no projeto que abriu as portas para o mestrado. Dedicou um tempo para entender a Utopia que movia a pastoral da juventude na transformação de pessoas que dela participava. E os projetos que preparou para o doutorado!! Queria muito entender a influência da Escola Militar na formação da juventude. Está aí um tema que temos que percorrer! Pode o subalterno falar?

O Centro de Juventude como espaço de formação, assessoria e pesquisa. Entendia que cuidar da juventude era cuidar do mundo. Por isto, neste tempo final dedicou-se em formar o povo da rua. O esforço em plantar a sementes e ver crescer o Cajueiro com atenção a formação de jovens da periferia nos projetos pequenos plantados nos sonhos e na coragem, atendimento aos pedidos de assessoria desde o governo, a universidade, grupos de jovens.... o cuidado era o mesmo. E a pesquisa da condição juvenil precisa ser feita em parceria com as universidades.

A Campanha a Juventude quer Viver. Cuidar da vida da juventude denunciar qualquer violação, envolver os/as jovens nesta defesa para que estes sejam sujeitos. Não fazer para os jovens, mas com os jovens.

Observatório Juventudes na Contemporaneidade. Criar, coordenar, cuidar deste espaço que junta pessoas que desejam realizar um serviço aos jovens. Foi junto com o Flávio, os primeiros coordenadores. O Centro de Juventude Cajueiro propositor junto com a Universidade Federal de Goiás, na Faculdade de Ciências Sociais.

As rodas de Conversas como instrumento de escuta da juventude. Escutar à juventude, ouvir os seus clamores e a partir daí, apoiar seus sonhos. Por isto temas, o que é ser jovem? Políticas Públicas de Juventude, temas como família, educação, religião...

Acompanhar os projetos de vida. Ele sempre era atrevido para cobrar os projetos de vida que envolvia toda a vida! Como exercitou o respeito a diversidade da pessoa! Como gostava de cuidar de todos os aspectos da vida.

Lourival partiu antes de completar 50 anos. Certa ocasião rimos muito porque ele dizia de uma pessoa com 50 anos, que era idosa. Acho que ele não queria ficar idoso. E suas última palavras, como um grande testamento foi: "O projeto, a formação, o processo, a capacitação dos jovens". Ele deixa para nós e cada um/a vamos cuidar com zelo do Cajueiro, uma iniciativa que revela a coragem e a dedicação de Lourival e de tantas outras pessoas.














Um comentário:

  1. Lindo e verdadeiro Carmem. Aí está o que foi o nosso querido Lourival. Sim a herança que nos deixou a nós e certamente a quemvirá depois. Obrigada pela partilha.

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