quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Nota: No Maranhão adolescentes sofrem com violência e tortura policial



A RENADE – Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a Lei, articulação nacional formada por centros de defesa, adolescentes, famílias e defensoria públicas, iniciou em setembro deste ano a produção de um relatório nacional sobre unidades socioeducativas de privação de liberdade em 13 estados do país.
 
A capital maranhense, São Luís, foi a segunda capital visitada pela missão Renade, nos dias 23 e 24 de outubro. Além de encontrar nas unidades visitadas situações desumanas, semelhante às outras unidades, como insalubridade, falta de acesso à educação, lazer, esporte, saúde e má alimentação, causou estarrecimento os casos relatados pelos adolescentes de violência e tortura policial no momento de abordagem e apreensão.
 
Muitos adolescentes contaram que policiais após baterem neles e os humilharem, conseguindo rendê-los e colocá-los no chão, empunharam suas armas e – com os adolescentes já rendidos – atiraram em regiões estratégicas para não levar a óbito, mas com potencial de ferir gravemente, trazendo-lhes sequelas pelo resto de suas vidas muitas vezes. Assim, eles atiram nas mãos, braços, pés, pernas, ombro dos adolescentes (encontramos todas estas situações presentes, através de perfurações nos corpos dos adolescentes). 
 
Percebe-se pela violência narrada, pelos adolescentes, que os agentes policiais estão empregando uma possível forma de justiçamento. Neste sentido, os policiais militares, nos parecem que julgam, sentenciam e aplicam pena ilegal e arbitrária, tudo feito dentre os poucos minutos que duram a abordagem, e sequencialmente conduzem os adolescentes às delegacias, acusando-os de resistência à prisão e as vezes de tentativa de homicídio, que na maioria das vezes não ocorre, mas isto conduz os adolescentes a um outro processo de apuração e julgamento, desta vez lícito mas fundado e sustentado por provas, incluindo-se depoimentos, completamente inidôneos e fraudulentos.
 
Assim, forjam-se versões para se consignar nos processos, cometendo deliberadamente fraude processual e falso testemunho por parte dos policiais. Algo que indubitavelmente deve ser de sobremaneira considerado pelas autoridades ministeriais e judiciais do Estado ao apurar ato infracional, sendo que a automática crença de que a “fala do adolescente é falsa” e que a o “testemunho do policial é credível e tem fé pública” tem que ser cotidianamente refutada diante do inominável cenário maranhense.

Famílias
 
Ao participar de reuniões com famílias de adolescentes que estão no sistema socioeducativo maranhense, constatamos os mesmos relatos de violência, tortura e truculência policial, porém desta vez, com as famílias.
 
Nesta reunião, foi trazido um pouco da experiência de vida relatada pelas mulheres presentes, as quais revelaram que não somente os adolescentes, mas como mães, avós, filhos, filhas e netos, a depender da sua localidade de moradia – e da cor de sua pele, especialmente se residirem em locais marcados pela pobreza, sofrem diariamente com a violência policial.
 
Pessoas que apesar de trabalharem honesta e arduamente também sofrem desta mesma violência policial, demonstrando que a ação truculenta da polícia não se volta – também ilegalmente – apenas aqueles que cometem ilícitos penais, mas está direcionada a toda população de dada localidade, reconhecidamente pobres e onde também ocorre o comércio de drogas ilegal, ainda que por uma parcela bem menor da população do que pressupõe e julga a Polícia Militar maranhense.
 
Por estas mulheres, foram narradas situações que ameaçam e aviltam frontalmente qualquer Estado de Direito, passando pelo testemunhar policiais recebendo dinheiro dos traficantes locais para assegurar que eles possam trabalhar sem serem atrapalhados em seu comércio, invasão aos domicílios das pessoas – sem mandado judicial, abuso de poder, humilhação verbal, violência física e morte.
 
Frisa-se que essencialmente neste último caso, os indícios e provas de homicídios cometidos por policiais militares acabam sumindo junto com a vida de seus filhos, sendo que esta situação leva a algumas destas mães e famílias a fazer a investigação independente e paralelamente ao Estado, já que para a polícia a morte de seus filhos é de autoria desconhecida.
 
As pessoas violadas em seus direitos fundamentais, violentadas em sua integridade moral ou física, e, principalmente, aquelas que tiveram a vida de seus filhos adolescentes e jovens extinta pela ação de policiais militares no Maranhão, não confiam nas instituições estatais maranhenses para relatarem, visando-se conduzir um processo de apuração dos fatos, pois além dos policiais entrarem e saírem de suas casas a hora que bem entenderem (sendo narrado que os policiais estouram o cadeado e arrombam as portas das casas), estes também sabem quem são essas pessoas e seus locais de moradia, sendo que fardados ou encapuzados causam temor completamente fundado aqueles que zelam por suas vidas e de seus familiares.

A ação truculenta e violadora dos policiais militares que atuam, principalmente, nas periferias de São Luís, apontam para a necessidade de controlar seriamente a ação destes agentes no Estado do Maranhão. A Polícia Militar do Estado do Maranhão parece ter fugido de qualquer espécie de controle razoável de suas forças. Nas periferias da cidade, a Constituição, Lei, Estado de Direito, ao que verificamos, não vem tendo sentido algum, sendo simplesmente desconsiderados pelos policiais e não assegurados às pessoas moradoras das comunidades empobrecidas, sejam elas crianças, adolescentes ou adultas.
 
Por fim, exige-se, atuação firme e ágil do Sistema de Justiça e, principalmente, do Ministério Público no levantamento, apuração e responsabilização dos agentes policiais autores de ações criminosas, especialmente a prática de lesão corporal e violência letal cometidas contra adolescentes e suas famílias. Exige-se ainda que o Estado promova ações imediatas que institua uma polícia que zele e contribua para a garantia dos direitos humanos, repudiando veementemente ações violadoras de direitos fundamentais, corrupta, violenta e criminosa. Não se pode continuar a sustentar a negação da condição humana das pessoas pobres, negras e moradoras das periferias do Maranhão, especialmente de sua capital, São Luiz.

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