domingo, 2 de fevereiro de 2014

A Avareza – Rubem Alves



Diz o texto sagrado que o Espírito levou Jesus ao deserto para ser testado pelo Demônio. Essa é a missão dos Demônios: são ministros de Deus encarregados de testar os materiais de que a alma é feita.

A tentação, que é a ferramenta dos demônios para o cumprimento de sua missão, só acontece no lugar onde mora o desejo. O santo que resiste à tentação está confessando: “Em mim mora esse desejo, que me tenta”. Ninguém é tentado a comer tijolos. Porque ninguém deseja comer tijolos. É preciso que haja o desejo para que a tentação aconteça.

No deserto, o Demônio começou seu teste pelo desejo mais inocente, mais natural. Jesus estava com fome, depois de jejuar por 40 dias. Queria comer. Com certeza estava tendo visões de pães. O Demônio sugere:

_ “Um pequeno milagre vai resolver tudo. Você tem poder. É só falar e as pedras se transformarão em pães.”

Que Deus bom esse, à nossa disposição para atender aos nossos desejos. Mas o Deus de Jesus não era assim. Ele não pode ser invocado para nos livrar dos apertos.

_ “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus …”, Jesus respondeu.

O Demônio percebeu que aquele não era o lugar. Mudou-se para o lugar onde moram desejos mais sutis. Os piores pecados não são os da carne; são os do espírito.

_ “Imagine-se na torre do templo. Lá embaixo a multidão gritando: ‘Pula! Pula!’. Aí você pula. Mas então o inesperado acontece: os anjos vêm e o carregam pelos ares! Será o triunfo, a consagração! Todos acreditarão em você e o seguirão!” Jesus responde que não se deve testar Deus para a realização dos nossos desejos.

Aí o Demônio lança mão do mais profundo desejo que existe na alma humana: o poder! Leva Jesus a um alto monte e lhe mostra todos os reinos do mundo e suas riquezas e lhe diz:
_ “Tudo isso lhe darei se prostrado me adorares!”

Quem tem dinheiro tem todas as coisas. O dinheiro é o deus do mundo. O Vinícius inicia o seu poema “O Operário em Construção” citando esse texto do evangelho. O operário, no alto do monte, tentado pelas riquezas! Porque o fascínio pelo dinheiro não mora apenas no coração dos ricos. Mora também no coração dos pobres.

Esqueça as imagens corriqueiras do avarento como aquele que guarda e junta dinheiro. Esse avarento é um coitado. Faz mal a pouca gente. Ele é o maior prejudicado. De sua companhia todos fogem. Ele é ridículo. Avareza não é isso. É uma qualidade espiritual. Avareza é uma doença dos olhos. Bernardo soares disse que não vemos o que vemos, e sim o que somos. O avarento não vê as coisas; eles vê o que elas valem como dinheiro – a casa, o carro, o filho. E não pense que isso é coisa só de rico... Os pobres avarentos também veem as pessoas em função do dinheiro que dela se pode extrair.

 Todos os seus sentidos estéticos e éticos foram destruídos. Beleza, ternura, amor, honestidade, justiça – essas coisas não entram na sua contabilidade.

Por que o avarento se entrega ao amor ao dinheiro? Porque ele sabe que o dinheiro é um deus que tem poderes para operar as mais fantásticas transformações. Marx era bom teólogo; ele sabia que dinheiro é um deus dinheiro que opera os mais extraordinários milagres. Vejam os comentários de Goethe e Shakespeare que ele transcreveu em seus Manuscritos econômicos-filosóficos de 1844.

“Eu sou feio, mas posso comprar a mulher mais bonita para mim mesmo. Consequentemente eu não sou feio, porque o efeito da feiura, o seu poder para repelir, é anulado pelo dinheiro. Como individuo sou um aleijado, mas o dinheiro me dá vinte e quatro pernas. Portanto eu não sou aleijado. Eu sou um homem detestável, sem honra, sem escrúpulos e estúpido, mas o dinheiro é objeto de admiração universal e, portanto eu, que tenho dinheiro, sou admirado. Sou curto de inteligência, mas desde que o dinheiro é o espírito de todas as coisas, como poderia aquele que o possui não ser inteligente? Eu, que pelo poder do dinheiro posso possuir tudo aquilo que o coração humano deseja, não serei também possuidor de todas as virtudes humanas.”

Pense nas misérias do Brasil. Elas não foram produzidas pela ira, pela preguiça, pela inveja, pela gula, pela arrogância, pela luxúria. Esses demônios são fracos. Nossas misérias são produzidas pela avareza. Os corruptos olham para o país e pensam: De onde e como posso extrair dinheiro? Pense nas tragédias do mundo, as guerras, os genocídios… São produzidos pelo uso de armas que foram pensadas por inteligências científicas e fabricadas com cabeças técnicas e vendidas por amor ao lucro. Quem fabrica e vende armas não pensa no sofrimento que elas vão produzir. Pensam, os cientistas que as imaginam e as pessoas que as vendem, em sua eficácia técnica e seu valor econômico.

Quem é movido pela avareza não tem olhos nem coração para sentir o sofrimento dos outros, porque estes lhe são apenas um valor econômico. A avareza tira a capacidade de compaixão. E, com isso, nossa condição de seres humanos.


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