quarta-feira, 31 de julho de 2013

E agora José? A Jornada acabou....

Hilário Dick, pesquisador e assessor de pastoral de juventude, jesuíta
Hilário Dick é padre Jesuíta e assessor da Pastoral de Juventude.
Hilário Dick é padre Jesuíta e assessor da Pastoral de Juventude.
Esta é a pergunta depois de mais uma Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Um evento que reúne muita gente: milhões. Um artigo de José Lisboa Moreira, depois da Campanha da Fraternidade sobre Juventude em 2013, perguntava: Qual futuro para a Juventude?
Ninguém vai afirmar que a Igreja não ama a juventude. É muito interessante observar como, no interior da Igreja, há realidades que parecem obedecer a um “dinamismo” contraditório: o “centralismo” se revezando com “comunhão e participação”. O que dizer do fato de que a JMJ coincidiu, em parte, com a panela de pressão explodindo na cozinha do Brasil nos mesmos dias? É verdade que as realidades que emergem no mundo juvenil, nem sempre são percebidas.
1) “Pastoral” de processos e “Pastoral” de eventos
Sempre é bom recordar que, na forma de evangelizar, existem duas posturas que se podem opor ou complementar. Existem a “pastoral de eventos” e a “pastoral de processos”. Está em alta, neste momento da Igreja, a “pastoral de eventos”: grandes encontros, de diversos tipos, “missas” de multidões, mega shows de evangelização, programas de rádio, valorização de “artistas”, padres na mídia etc. Eventos massivos.
Não é difícil cair na armadilha da mídia, onde a notícia séria e reflexiva dá lugar à manchete sensacionalista. Não é raro que uma “sociedade do espetáculo” penetre e contamine as atividades da Igreja, também junto à juventude. A “pastoral de processos”, por outro lado, acontece no dia-a-dia, nas pequenas grandes coisas cotidianas. É ali que se constroem personalidades, com projetos de vida amadurecidos. A alegria do domingo de Páscoa mergulha suas raízes mais profundas no contraste com o absurdo e a loucura da sexta-feira santa. Se é verdade que a Páscoa é colheita e a cruz é semente, nos dias atuais não estamos em tempo de colheita. É enganoso pensar que o “evento” resolve. Se sonhamos jovens felizes, autônomos e construtores de “outro mundo possível”, está diante de nós o desafio de viver uma pastoral de processos e não uma pastoral de eventos.
2) Cuidar e controlar
Fala-se da Teologia do Cuidado, também do cuidado que precisamos ter com as pessoas. No trabalho com a juventude, em vez de “acompanhante”, fala-se de “cuidante”. Todos precisamos ser “cuidados”. Todos desejam ser cuidados: pelo Estado, pela Igreja, pelo serviço de segurança, pelos pais, pela comunidade… Quem “acompanha”, quem “assessora” é alguém que “se senta junto com”, alguém que “come do mesmo pão”. As Jornadas foram, vão ao encontro disso?
Em movimentos juvenis próximos a nós, o que vale, não é o “cuidar” porque quem “cuida” respeita a autonomia, o protagonismo, a personalidade de cada um. Uma mãe que “cuida”, não “abafa” o/a filho/a. Fazemos essas considerações porque há uma tendência de resvalar do “cuidar” para o “controlar”. Quem controla, não confia; quem controla deseja que o/a outro/a seja como nós e não como ele. Assim como a família, assim a escola, assim muitas instituições, também de Igreja; em vez de “cuidar”, “controlam”. O controle não é da pedagogia de Deus.
Apesar disso, um verbo, uma atitude, um modo de educar que está surgindo com vigor, na Igreja, na evangelização da juventude, na educação em geral, é “acompanhar”. Até se começa a ouvir falar de Deus como “acompanhante” – e tem muito sentido. O jovem quer ser acompanhado e não comandado ou controlado. Ele percebe, até, quando o fazemos de forma disfarçada. Está diante da evangelização da juventude o desafio de não ter medo de cuidar.
4. Conhecer a realidade juvenil
É preciso partir da realidade. Só ama quem conhece. A encarnação de Jesus de Nazaré é uma das grandes aulas de pedagogia que Deus nos deu e dá. Isso vale de modo especial para quem trabalha com a juventude e, até, para a juventude. O sair de si mesmo para ver “outros mundos” nem sempre é tão fácil. Ser jovem é viver a epopeia do êxodo. Em termos teológicos, é o nascimento da vocação missionária que vive em cada jovem. Por isso que se fala de “conhecer” e “tornar-se conhecido”. Não se imagina uma juventude adormecida, sem querer ver a realidade que a rodeia. Não basta saber falar de Deus, da Igreja, dos sacramentos etc. É preciso comungar com a realidade juvenil, o que significa mais do que marcar presença.
5. Novos sonhos
Um grande evento, carregado de emoções e ideias, faz e deve fazer brotar utopias. Jovem que não sonha, é velho. Pessoas que trabalham com jovens e não veem neles/as, sonhadores/as, está no lugar errado. Adultos que não se animam a sonhar junto com os/as jovens não estão vivendo a opção pela juventude. Uma sociedade que acha que “já chegou”, não gosta de quem sonha. Bonito ler o profeta Joel dizendo que “entre vocês, os velhos terão sonhos e os jovens terão visões” (Jl 3,1) porque todos conhecerão o projeto de Deus.
6. As cruzes dos jovens
A Cruz é o símbolo das Jornadas Mundiais da Juventude desde 1985. A Cruz é simples, feita de madeira. Já exibe as marcas das muitas viagens percorridas. Falar de “Cruz”, para o cristão, é falar de um dos símbolos mais profundos e emocionantes. Ela está unida, essencialmente, à ressurreição, assim como a morte vai unida à vida. A “Cruz” se torna dramática quando se torna mais importante que a ressurreição.
Precisamos conscientizar-nos de que é importante falar mais das cruzes dos jovens, do que fazer que os jovens carreguem outra cruz pelas estradas de nossas dioceses. Na mala de nossos sonhos precisamos carregar as cruzes dos jovens brasileiros, latino-americanos e de todo mundo. O documento de Aparecida fala de 11 delas: 1) as sequelas da pobreza; 2) a socialização de valores com forte carga de alienação; 3) a permeabilidade às novas formas de expressões culturais, afetando a identidade pessoal e social do jovem; 4) o fato de os/as jovens serem presa fácil das novas propostas religiosas; 5) as crises da família provocando, na juventude, profundas carências afetivas e conflitos emocionais ; 6) a repercussão de uma educação de baixa qualidade;  7) a ausência de jovens na esfera política devido à desconfiança que geram as situações de corrupção, o desprestígio dos políticos e a procura de interesses pessoais frente ao bem comum;  8) o suicídio de jovens; 9) a impossibilidade de estudar e trabalhar; 10) o fato de os/as jovens terem que deixar seus países dando ao fenômeno da migração um rosto juvenil”; 11) o uso indiscriminado e abusivo da comunicação virtual. Sabemos que há outras cruzes como a baixa autoestima, o medo de morrer, o medo de sobrar, o medo de “ficar por fora”, o medo da AIDS etc. São cruzes de todo dia e cruzes que não se dizem.
7. Reforçar o encanto pela juventude
A Igreja vê, na juventude, a constante renovação da vida da humanidade, descobrindo nela um sinal de Si mesma. A juventude é convidada, por isso, a trazer uma revitalização para a sociedade e a Igreja, mantendo uma fé na vida e conservando sua faculdade de alegrar-se com tudo o que começa. A juventude é o símbolo da Igreja, chamada a uma constante renovação de si mesma. A Igreja deseja ter uma atitude de diálogo com a juventude, reconhecendo seu papel cada vez mais insubstituível na missão profética que ela tem. Por isso ela quer desenvolver, dentro da pastoral de conjunto, uma autêntica pastoral de juventude, educando os jovens a partir de sua vida, permitindo-lhes plena participação na comunidade eclesial.
Algo muito grave, no entanto, aconteceu e está acontecendo nos últimos tempos: o desencanto do clero e dos/as religiosos/as pela juventude. Em muitos lugares a ausência ou a presença clerical apressada, são um fato. D. José Mauro Bastos, referencial da juventude junto aos bispos do Brasil em 2006 e 2007, dizia – quando se preparava o documento 85 sobre Evangelização da Juventude que “está na hora de a sociedade toda, também a Igreja, se reencantar pela juventude”. Ser encantado pela juventude é amá-la, estar perto dela, ser curioso com o que sucede com ela, estudá-la, dar a vida por ela, escutá-la. É ser apaixonado por ela. Comer com ela do mesmo pão… Estamos falando de um compromisso com a vida da juventude. Compromisso que passa por uma pastoral de processo, pelo cuidado com os/as jovens, pelo respeito à juventude, pelo conhecer a realidade juvenil, pelos sonhos jovens (sonhos de Deus), pela opção de conhecer e carregar com os/as jovens suas cruzes e pelo encanto por ela.
A religiosa/o é chamado a ser profeta do sonho, sinal da utopia maior, sacramento da vivência de uma vida com sentido…. A Jornada acabou, José; o sonho, não!

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