sábado, 1 de junho de 2013

Utopia necessária como o pão de cada dia



Pedro Casaldáliga[1]

“A utopia é necessária porque a desigualdade entre ricos e pobres aumenta, segundo a ONU, inclusive em países do Primeiro Mundo. Nossa América, segundo a OEA, é a região mais injusta, por essa desigualdade sistemática. Há mais riqueza na Terra, mas há mais injustiça. África tem sido chamada "o calabouço do mundo", uma "Shoá" continental. 2,5 bilhões de pessoas sobrevivem, na Terra, com menos de 2 euros por dia e 25 mil pessoas morrem diariamente de fome, segundo a FAO. A desertificação ameaça a vida de 1,2 bilhão de pessoas numa centena de países. Aos emigrantes lhes é negada a fraternidade, o chão debaixo dos pés. EEUU constrói um muro de 1.500 Km contra a América Latina; e Europa, ao sul da Espanha, levanta uma cerca contra a África. Tudo isso, além de iníquo, é programado. Um imigrante africano, numa comovedora carta escrita "atrás dos muros de separação", adverte: "Peço-lhes que não pensem que é normal que vivamos assim, porque, de fato, é o resultado de uma injustiça estabelecida e sustentada por sistemas desumanos que matam e empobrecem... Não apoiem esse sistema com seu silêncio".

Mas a Humanidade "se move"; e está dando uma virada para a verdade e a justiça. Há muita utopia e muito compromisso neste Planeta desencantado. Alguém já recordou que o Século XX "foi um imenso cemitério de impérios: o britânico, o francês, o português, o holandês, o alemão, o japonês e o russo". Fica, balançando, o império estadunidense, que vai cair também. América Latina se distancia da tutela dos Estados Unidos e Ásia deu também as costas aos Estados Unidos, na primeira cúpula organizada pela ASEAN. A UNESCO declarou Patrimônio da Humanidade a Diversidade Cultural. O Século XXI -que já sabemos que será um século místico- será também o século do Meio Ambiente. O diálogo ecumênico e o diálogo inter-religioso crescem em vários níveis, como um novo paradigma da fé religiosa e da paz mundial. As Igrejas, as Religiões, vão se encontrar necessariamente e terão de fazer a paz para a paz do Mundo. Na Igreja Católica, dentro de uma monótona continuidade oficial, que já se esperava, muitas comunidades e muitos coletivos de reflexão teológica e de pastoral sabem ser simultaneamente fiéis e livres. Vamos aprendendo a ser Igreja adulta, una e plural. Se rechaçamos a ditadura do relativismo, também rechaçamos a ditadura do dogmatismo. Não permitiremos que o Concílio Vaticano II seja um "futuro esquecido"; e até urgimos o processo de preparação de um novo Concilio, verdadeiramente ecumênico, que contribua a partir da fé cristã na tarefa maior de humanizar a Humanidade”.




[1] Bispo Emérito de São Félix do Araguaia/MT. Trecho da carta escrita em janeiro de 2006.


Nenhum comentário:

Postar um comentário