Temos difíceis. Tempos de luto pessoal e coletivo. Domingo, 1º de maio de 2016, recebi nas primeiras horas a notícia da morte física do Lourival Rodrigues da Silva, 49 anos. Este homem/amigo é parte da minha estória, da estória de tantos outros/as pessoas e da história de um país. Sem modéstia. Nas ruas, manifestações no Dia do Trabalhador denunciaram a falácia do processo de impeachement de uma presidente - democraticamente eleita pelo povo brasileiro - conduzido por homens de conduta questionável. Tempos de morte de um projeto de nação, cujo um dos eixos centrais foram a inclusão social e a distribuição de renda, sonhado e construído por milhares de mãos.
Tempo em que o fascimo dá as caras no Congresso Nacional, nos púlpitos, nas redes sociais e até mesmo na atitude de pessoas próximas. Tempo em que o conservadorismo ganha expressão no comportamento de pessoas aparentemente “esclarecidas”. Tempo em que a disputa pelo poder valida as estratégias mais rasteiras e mesquinhas: roubar, matar, fazer o outro menor, não enxergar o bem coletivo. Tempo no qual isto é aceito e justificado sob a proteção da “legalidade”, com o aval de instituições que deveriam zelar pela ética e pelo bem comum. Tempo em que as igrejas, que deveriam promover a paz, estão preocupadas em fazer valer seus projetos de poder.
Como, em meio a tudo isto, não lembrar de você Louri que foi, simultaneamente, trilhando e sendo trilhado por um itinerário que anuncia valores de amizade, de afetos e partilha, de acolhida das diferenças, de superação de desafios, de utopia de um mundo melhor, sem divisões e com novas relações, de estética e beleza. Uma trilha na qual não há perdedores e nem vencedores, mas irmãos e irmãs, caminhantes do bem viver. Um caminho onde a mesa da “comensalidade”, do comer juntos, do partilhar a comida e o pão da vida, é o lugar central e sagrado, onde a amizade se refaz dos cansaços da estrada e se realimenta de estórias e esperanças e os projetos se costuram e enfeitam de beleza, estratégias e concretude...
Desde a sua carroça, primeiro instrumento de trabalho nas ruas do setor Fimsocial, bairro pobre da periferia de Goiânia, projetou e empreendeu sonhos e caminhos, individuais e coletivos. Você, junto a tantos/as buscadores da paz, deu bases e ajudou a edificar a Pastoral da Juventude de São Luis de Montes Belos, de Goiânia, do Centro Oeste, do Brasil e da América Latina. Você deu fundamento ao que conhecemos por Casa da Juventude Pe. Burnier. Você sistematizou e publicou tantas experiências que vivenciamos. Você deu vida a uma pós-graduação e pesquisas sobre a realidade juvenil... Você empreendeu lutas no campo das políticas públicas, pelos direitos das crianças, adolescentes e da juventude. Você plantou e colheu, em vida, o Cajueiro. Fomos com você e com tantos e tantas irmãos/as colaborando, de diferentes formas e em diferentes lugares, na costura deste projeto.
Você não se furtou a comprar uma boa briga pelo que considerava ser justo. Nunca fugiu a nenhum desafio. Enfrentava-os como se enfrenta a um touro bravo, encarando-o frente a frente, fitando-o profundamente no olho, segurando-o pelo chifre, superando-o com a doação do seu melhor conhecimento, capacidade de trabalho e entregas de resultados efetivos. Você soube conjugar o verbo amar, o trabalho coletivo e cuidado essencial das relações, da amizade... Tinha o dom de nos questionar sempre e nos tirar sempre da nossa “zona de conforto”. De nos fazer pensar sobre o sentido de nossas vidas e nosso projetos. Como disse a Shirlaine Valeriano, em seu velório: “O Louri foi o ser que mais me compreendeu”. E certamente, como a mim, também a tantos/as outros/as.
Tua passagem me faz pensar e refletir sobre o câncer. Na sociedade na qual estamos mergulhados, como bem lembrou outra amiga Eliane Martins, do Rio Grande do Sul, estamos todos na fila desta doença. Mais cedo ou mais tarde nos defrontaremos com câncer, nosso ou de amigos e familiares. Afinal, o que está errado é este modo de vida forjado pelo capitalismo, que devemos combater e denunciar: alimentação inadequada, cheia de venenos e agrotóxicos, estresse provocado por trabalho desumanizante, falta de tempo para cultivar o que é essencial e processar as emoções, medos e angústias. Me fez também pensar nas mágoas que vamos guardando e que possuem uma imensa capacidade tóxica de fazer mal ao nosso corpo e à nossa saúde. Me fez pensar na necessidade do perdão. O perdão ensinado por Jesus Cristo que pede que perdoemos até mesmo os nossos inimigos.
Um homem, uma mulher não se tecem sozinhos. A esperança também não. Uma manhã precisa de vários galos para ser anunciada, como bem nos lembrou o poeta João Cabral de Melo Neto. Vivemos um luto coletivo de um projeto de sociedade e da perda de um grande amigo. Que tenhamos a capacidade de nos perdoar, de perdoar e de ser perdoados. Que cuidemos uns dos outros, repensemos nossa forma de viver e alimentar, cuidemos da nossa casa comum. Entrelacemos redes de solidariedade e afeto. Compartilhemos o pão, as dores e alegrias. Avancemos, com gestos concretos, para a utopia do bem viver.
À sombra de uma árvore, à luz de um belo entardecer, aos pés do Santuário do Divino Pai Eterno e rodeado de gente querida seu corpo físico, Louri, desceu ao barro. Mas sua vida e exemplos transcendem o tempo e o espaço. Amigos e inimigos, afetos e desafetos, de perto e de longe, vieram-lhe render uma última homenagem. Prá mim sua grandeza se reflete nisto. E afinal é isto que importa. O que você amou. Os que o amaram. Tudo o mais são penduricalhos de vidas que não conseguem enxergar além de si mesmas, que se fiam na perspectiva egoísta e na falsa ideia de que se bastam e que podem prescindir de lutar pelo que é belo, bom e justo, como você sempre fez.
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