– IHU, 26 de abril de 2106**
Exponho
meu pensamento de modo afirmativo, mas deixo claro que a tese que o perpassa –
a derrota do projeto nacional-desenvolvimentista brasileiro – é somente uma hipótese.
Hipótese pessimista, mas capaz de abrir uma perspectiva otimista para a ação,
como recomendava o mestre Gramsci.
Temos
que decifrar o que está acontecendo por detrás dos jogos de cena onde aparecem
os agentes visíveis (políticos, policiais, juízes, comunicadores, líderes
sociais, agentes religiosos, etc), porque eles e elas estão a serviço de alguma
classe social. E o que conta na estrutura social são os projetos e a visão que
cada classe procura impor como se fossem de toda a sociedade. Dessa análise
devem resultar pistas adequadas para levar adiante um projeto para o mundo,
porque não há neutralidade possível nesse jogo/luta pelo poder. Esta análise só
tem sentido se for útil às classes dominadas e grupos oprimidos.
Meu
ponto de partida é a consideração da crise mundial do capitalismo, porque o
Brasil está na periferia do sistema capitalista mundial e, como sempre
acontece, é sobre a periferia que recai o ônus maior da crise mundial. A crise
de 2008 não terminou. A financeirização do capital é sintoma de crise de longa
duração, como mostra a história de 5 séculos de capitalismo. Durante todo esse
tempo o capitalismo só consegue superar suas crises de superprodução por meio
da “destruição criativa” = guerra de onde emergirá o polo dinâmico do novo ciclo
de acumulação. Do norte da Itália (s. 15) para Amsterdã (s. 16-17), depois
Londres (18-19), atualmente N. Iorque e no futuro talvez Pequim. Hoje existe
nova forma de guerra: a “guerra não-convencional” que pode destruir um país sem
recorrer à força das armas, porque usa instrumentos políticos, policiais e
judiciais amparados por intensa desinformação midiática (TVs, rádios, jornais e
principalmente redes sociais operadas por agentes treinados para a provocação).
É só lembrar os que os EUA fizeram no Afeganistão, Iraque, Líbia, Egito e
Síria, bem como os golpes dados em Honduras e Paraguai. Isso, quando não
conseguem vencer a eleição e colocar seu agente no governo (Macri, na
Argentina). A política externa de Lula e Dilma, de aproximar-se da China e favorecer
a integração sul-americana certamente contraria os interesses geopolíticos dos
EUA.
O
objetivo dessa operação de “guerra não-convencional” é quebrar a espinha dorsal
do capitalismo brasileiro (BNDES, bancos e empresas estatais, grandes
empreiteiras) e passar seu controle às megaempresas mundiais. As classes
dominantes do Brasil – não mais de 100.000 famílias – aceitam esse projeto
porque são, desde a colonização portuguesa, o sócio minoritário do capital
externo. Embora elas tenham sido beneficiadas pelo modelo
nacional-desenvolvimentista financiado pelo Estado, agora renunciam a esse
modelo e submetem-se docilmente ao neoliberalismo imposto pelos grandes
conglomerados corporativos transnacionais que mandam no mundo. A política de
equilíbrio fiscal por eles imposta reduz drasticamente a capacidade de
intervenção do Estado na economia, deixando que ela seja regulada apenas pelo
mercado. O 2º governo Dilma curvou-se a essa política de equilíbrio fiscal, mas
conseguiu manter políticas sociais que protegem as classes economicamente
desprotegidas. Agora as classes dominantes mostram sua decisão de acabar até
com essa pequena proteção do Estado aos pobres.
Nesse
quadro mais amplo fica claro o papel desempenhado (intencionalmente ou não) por
Temer, Cunha, Bolsonaro, Moro, Gilmar Mendes, Serra, FHC e outros atores que
tomaram a frente do processo de aniquilamento do PT e do esvaziamento de suas
lideranças. Trata-se de colocar o País de joelhos diante das megaempresas que
virão completar o processo de colonização da nossa economia, com a aprovação
das classes dominantes. O problema é grave porque os governos Lula e Dilma
jogaram toda sua força na política nos programas que tiraram quase 50 milhões
de pessoas da miséria, expandiram a demanda, estimularam investimentos e
aumentaram muito o nível de emprego, mas não foram acompanhadas pelo aumento da
organização política popular nem pela tributação das classes dominantes, que
continuam a concentrar a renda e a riqueza. Hoje as classes populares têm menos
meios de expressão e de representação de seus interesses no espaço público do
que tiveram durante a década de 1980. Já as classes dominantes romperam
unilateralmente o pacto social que está na base da Constituição de 1988,
esvaziando-a de direitos sociais conquistados. O atual golpe de 2015-16 vem
completar esse processo de cassação de direitos de cidadania para as classes
subalternas. As grandes manifestações de 2013 deixaram isso evidente: amplos
setores incluídos no mercado de consumo, mas excluídos da cidadania, como a
juventude, foram às ruas protestar. Como seu protesto não foi atendido, a
insatisfação das novas gerações tem crescido, como mostram as ocupações de
escolas públicas. Novos e antigos movimentos – os Sem-Teto, Povos indígenas,
MST, movimentos contra barragens, ambientais, LGBT e outros – expressam essa
insatisfação social que busca uma solução que não passa pelo canal das
eleições.
Por
tudo isso, é importante resistir ao golpe. Estão sendo preparadas manifestações
populares no 1º de maio e quem defende a democracia não poderá faltar. Mas
devemos pensar a possibilidade de êxito do golpe e a consequente conquista do
Estado brasileiro por grupos alinhados com as megaempresas. Seria imprudente
jogar todas as forças na resistência ao golpe, pois correríamos o risco de
sofrer uma derrota atrás da outra até o completo aniquilamento. Há que se
pensar uma estratégia de retirada que preserve pelo menos parte de nossas
forças para lutar contra a devastação social, econômica, moral e ambiental que
se anuncia. Com o realismo de Darci Ribeiro – que no final da vida disse “perdi
muitas batalhas, mas nunca quis me colocar ao lado dos vencedores” – deveremos
reconhecer a derrota política das classes populares para traçar uma estratégia
inteiramente nova.
Para
isso precisamos levar em conta um fator até hoje pouco considerado em nossas
análises de conjuntura social, política e econômica: o fator ambiental. Tudo
indica que o ano de 2014 marca o início do período de rápido aquecimento
global. A reunião mundial da COP-21, em Paris, reconheceu haver risco de
agravar-se o aquecimento, mas ficou nas boas intenções. (Se o aquecimento
global fosse levado a sério as corridas de automóveis já estariam proibidas).
Provavelmente antes de 2050 enfrentaremos uma situação calamitosa: num verão
quente, haverá escassez de água, de eletricidade e de alimentos. O que
acontecerá nas médias e grandes cidades? O Estado já desmantelado não terá
meios para controlar o mercado e impor um sistema de distribuição de bens
escassos. Provavelmente sua ação se limitará a reprimir os protestos populares.
O que esperar, senão o caos social?
Ainda não vislumbramos
uma estratégia eficaz para enfrentar e superar essa crise social e ambiental
que se anuncia em âmbito planetário. A lógica do capital, apoiada na tecnociência,
despreza os limites ambientais e se considera invencível, como se a Terra
também reconhecesse o valor do dinheiro. Essa lógica fará o mercado capitalista
(talvez conduzido pela China) devorar todos os bens do Planeta,
transformando-os em objeto de compra e venda, até o esgotamento dos recursos
que por tantos milênios favoreceram o desenvolvimento da vida. Exausta, a Terra
deixará de ser nossa casa comum e vai
tornar-se um planeta inóspito para a espécie humana. É ainda possível impedir
que isso ocorra?
Já está em curso essa
busca de um outro modo de produção e consumo, mas é necessário acelerar seu
ritmo e dar-lhe alcance planetário para que ela seja capaz de evitar a
catástrofe. Mais importante do que saber se ainda há tempo para reverter o processo,
é fundar desde já as bases de uma sociedade alternativa. Se ela se consolidar a
tempo de salvar a humanidade, melhor; mas se o tempo não for suficiente para
isso, os sobreviventes terão pelo menos as bases sobre as quais construir uma
forma de sociabilidade respeitosa da Terra, onde a espécie homo sapiens viva em paz consigo mesma e com as demais espécies. O
pior, de fato, seria a inação: por descrença na possibilidade de conversão da
humanidade, legar à futura geração um Planeta devastado e com parcas condições
de vida.
Penso que hoje é
imperioso desenvolver a espiritualidade
política libertadora como a forma de espiritualidade cristã (e também de
outras tradições religiosas) mais necessária para o mundo. Não sei avaliar até
que ponto as Igrejas cristãs serão capazes de nos ajudar a vivenciar essa forma
de espiritualidade, porque parecem só se ocupar de felicidade depois da morte.
Mas se, com Pedro Casaldáliga, afirmamos que “queremos terra na Terra, já temos
terra no Céu”, temos que buscar uma espiritualidade terrenal, uma espiritualidade que anime as lutas pela vida da Terra
como casa comum que abriga a
humanidade e todas as espécies vivas. Os Direitos da Mãe Terra e o Direito dos
Animais não podem ser descartados como ocorre hoje. A espiritualidade política
deve inspirar uma outra visão de mundo, onde a humanidade se integre na grande
comunidade de vida do Planeta. Este é, em síntese, o propósito do Bem-viver:
mais do que utopia, é verdadeira Sabedoria de Vida.
**http://www.ihu.unisinos.br/noticias/554129-o-cenario-que-se-desenha-hoje
Elementos
para uma análise de conjuntura política
Maio 2016
I.
Contexto Histórico
1. Depois de derrotarmos o neoliberalismo, e passarmos
dez anos de neodesenvolvimentismo, houve um esgotamento desse modelo.
2. Há uma crise histórica e profunda de natureza:
Econômica, Política, Social, Ambiental e de valores.
3. Há uma crise do modo capitalista internacional – eles
não têm saída a curto prazo. E a economia brasileira, periférica, subordinada a
eles, é utilizada para aumentar a exploração dos trabalhadores e espoliação das
riquezas naturais.
4. As saídas serão prolongadas e conflitivas, pois
dependem de articulação de um novo projeto a ser articulado pelas forças
sociais.
5. O capital internacional e nacional vão disputar
todas as possibilidades de acumular capital no Brasil. E suas prioridades serão
apropriar-se do petróleo (representa uma renda extraordinária de 200 bi de
reais por ano); minérios; previdência social (mercantilizá-la para se apoderar
da poupança dos trabalhadores); energia elétrica (pois várias hidrelétricas
poderão ser privatizadas com renda extraordinária) e ainda privatização de
diversas empresas e bancos públicos transformando-as em sociedades anônimas e
por último privatizar serviços públicos que podem dar lucro na educação: saúde,etc).
6.
Para
que o capital retome suas taxas de lucro e volte a acumular, só tem o caminho
de diminuir o custo do trabalho, ou seja, retirar direitos dos trabalhadores, diminuir
salários, etc.
7.
A médio
prazo, a classe trabalhadora só poderá conter a volta do neoliberalismo e construir seu próprio projeto com amplas
mobilizações de massa e com o reascenso do movimento de massas em geral.
II.
O enfrentamento atual na luta de classes
1. A Luta de Classes se acirrou na
sociedade
a) Há disputa política e ideológica em cada espaço.
b) Acabou a posição de centro e com ele a política de conciliação
de classes, que o PT/PcdoB e o governo aplicaram nos últimos anos.
c) A extrema direita ganhou espaços de influência
ideológica na atual conjuntura, seja nas manifestações e nas redes (Bolsonaro,
etc.), porém tem influência maior entre os mais ricos e não em toda sociedade.
d) Nas últimas semanas brotaram inúmeros atos,
manifestos de setores influentes da sociedade, como energias progressistas, que
estão enfrentando a hegemonia da Globo. E a votação do dia 17 de abril
despertou entre a maioria da sociedade um sentimento de indignação contra o golpe
legislativo-judiciário.
e) O futuro governo Temer-Cunha é um enigma, pois por
mais que tenha conseguido aglutinar o poder econômico, a mídia e os
parlamentares, tem apenas 8% de apoio na sociedade. Vai aplicar um programa
neoliberal. Reunificou todas as forças partidárias conservadoras, reeditando o
velho centrão que vem desde a constituinte. Mas ninguém sabe como serão as
reações da população, que eles não controlam.
2. Objetivos da direita/dos
capitalistas
a) Recolocar o projeto neoliberal e subordinar nossa
economia aos EUA. (Isso significa recompor as taxas de lucros, reduzir direitos
dos trabalhadores, se apropriar de recursos públicos, privatizar mais empresas
publicas, etc. Ou seja, colocar a exploração do trabalho em novo patamar para
eles poderem sair da crise e voltarem a acumular. Para isso, será necessário:
b) Derrotar o governo Dilma.
c) Impedir a possibilidade de ter Lula como candidato
em 2018, (pela via da desmoralização, ou mesmo transformá-lo em ficha suja, por
alguma prisão fajuta)
d) Derrotar o PT e a Esquerda como proposta política
alternativa de sociedade frente à crise do capitalismo.
e) E nesse contexto ir implementando as medidas
neoliberais na sociedade, via Congresso, Judiciário, mídia. Criar uma nova hegemonia ideológica na
sociedade.
3. A Direita está dividida na sua
direção política entre os seguintes pólos, que podem se aglutinar ou disputarem
entre si:
a) Frente
Partidária - PMDB/PSDB/DEM, mas os partidos não tem representatividade na
sociedade, apenas controlam as máquinas institucionais. E todos eles estão
envolvidos também na corrupção e na operação lava-jato.
b) O Poder
econômico – das empresas (têm também varias frações entre eles, alguns
defendem o neoliberalismo e o golpe, outros sonham com neodesenvolvimentismo e
outros não sabem para onde ir).
c) Núcleo
ideológico: MPF + PF + Moro + Globo (agem por motivação político-ideológica
e sem articulação com as demais frentes).
Nos próximos embates, podem emergir muitas
contradições entre as três frentes de comando político deles, que precisamos
explorar.
4.
Desfechos possíveis
a) As divisões nas articulações da direita podem levar
ainda a diferentes desfechos. Mesmo com
a retirada da Presidenta Dilma, teremos 120 dias de muita disputa e ninguém
sabe o que vai acontecer até as eleições de 2018.
b) Eles não podem jogar a operação lava-jato debaixo do
tapete. E ela pode impugnar mais de cem parlamentares e vários dirigentes
expressivos da direita e inviabilizar diversas empresas.
c) É possível que haja uma desmoralização geral da
política. E se houver mobilizações e reascenso do movimento de massas, os temas
da reforma política, da Assembleia Constituinte e da realização de novas
eleições gerais, podem ganhar força política na sociedade.
d) Há
duvidas se o governo Temer terá coragem de criminalizar os movimentos populares,
começando pelo MST. Pois será também um governo de crise permanente até as
eleições de 2018, já que é um governo ilegítimo. O mais provável é que mescle
medidas econômicas neoliberais, como pequenos agrados aos mais pobres.
e) E em relação aos movimentos organizados da classe
trabalhadora, a criminalização virá pela mídia, pelo legislativo (com CPIs do
Incra, da UNE da CUT) e liberando as
forças direitistas nos estados para realizarem a repressão, numa mescla da PM
com os setores truculentos da burguesia e seus capangas (como já deram sinais
no Paraná).
III- DESAFIOS e Necessidades da classe
trabalhadorapara enfrentar a luta de classes :
1.
Debater na
FBP (Frente Brasil popular) e com todos setores da classe e aliados a necessidade de avançar nas
paralisações, greves e mobilizações para enfrentar o capital. E, explicar para o
povo a natureza do golpe e porque eles precisam a volta ao neoliberalismo.
2.
Enfrentar e
denunciar a rede Globo, que é hoje o centro da direção político-ideológica da
direita.
3. A classe trabalhadora/FBP precisa ter
uma pauta mais clara, um Plano de Emergência para além da defesa da legalidade
do Governo, para dialogar com as massas, explicar a disputa de projetos entre:
a volta do neoliberalismo ou avançar mais além do neodesenvolvimentismo. Precisamos construir uma CARTA DO POVO
BRASILEIRO para a sociedade, com dez, doze pontos bem claros.
4. Melhorar as formas de se comunicar com as massas.
Denunciando a corrupção de todos os políticos e mostrando a necessidade de uma
reforma política, exigindo mudanças na política econômica e nas políticas
publicas para melhorar as condições de vida da população. Defender a soberania
nacional, ou seja, que as riquezas naturais (petróleo, minérios, energia) sejam para resolver os problemas do
povo e não apenas para lucro máximo das empresas.
5.
Construir
novos métodos e novas formas de condução e de fazer política.
Sem
hegemonismos, protagonismos, vanguardismos, com democracia participativa, etc.
6.
Construir
um Projeto Popular para o Brasil, como programa estratégico que contribua na
construção do socialismo.
a) Formar um grupo com representante
de diversos setores, como intelectuais orgânicos, dirigentes para sistematizar
o acúmulo que existe na classe e na sociedade.
b) Praticar a Pedagogia
de massas, usando o projeto para construir com a base social, corrigi-lo e
motivar as massas a lutarem.
7.
Retomar a
formação política e a consciência soccial para avaliar a Luta de Classes
corretamente.
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