Acabo de ler a carta do amado
Hilario Dick
para o Encontro Nacional de Assessores/as da PJ, que compartilho
abaixo. Fiquei extremamente tocado e desafiado por suas palavras. Penso
que deve ser uma carta lida e rezada por todos/as que assumem serviços
na PJ. O avô escreve para assessores/as, mas diz para todos/as que se
colocam no caminho de servir à juventude.
Suas palavras me
provocaram a pensar no pecado que comentemos quando nos distanciamos da
memória e quando não escrevemos, não produzimos evangelhos, como disse o
avô.
Que lugar a memória tem em minha vida? Fiquei com essa pergunta. Me lembrei da pergunta de
Hilario Dick
no III Congresso Latino Americano de Jovens: “a que distância estou da
história?” Quem poderá contar aos “netos/as” as histórias se elas se
perderem? Me lembrei do Walderes e do Lourival, Floris e do Gisley que,
estando na eternidade, não contam mais os fatos que viveram...
Como
não perder as histórias que precisamos ouvir? Que histórias não podem
perder-se no tempo?
Fiquei pensando nos livros, nos evangelhos
que poderíamos gestar Brasil afora e que não foram escritos. Quantos
escritos borbulham em tantos/as de nós e que não foram produzidos?
Quanto evangelho pedindo para ser vida... Que palavras precisam se
tornar livro para seguirem sendo vida?
Não deixem de ler e
rezar a carta do amado avô Hilário Dick. E juntos/as peçamos perdão pelo
pecado de nos distanciarmos da memória. Peçamos perdão pelo pecado de
não escrevermos evangelhos, livros. Peçamos perdão por fraquejarmos na
esperança quando falhamos no cuidado com a memória.
Amém!
Abaixo a carta do avô.
Amigos e amigas, Assessores e Assessoras da Pastoral da Juventude
Saudades de vocês e desse tipo de encontros que estão a realizar.
Move-os o tema: Assessoria na Pastoral da Juventude: Chamado, Mística e
Missão, alimentados pelo “não fostes vós que me escolhestes; fui eu que
vos escolhi”, de Jesus de Nazaré. Fui provocado a dizer-lhes alguma
coisa e vou dizer:
1. Preocupado com uma antiga militante da PJE,
agora Educadora em Colégios do Rio de Janeiro, que virá entrevistar-me
sobre a história de nossa Pastoral na Zona Sul do Rio, onde nasci para a
assessoria, achei que seria bom ver como está a biblioteca do ex-IPJ,
de Porto Alegre, agora localizada no bairro Niterói, em Canoas. Fui com
medo de encontrar coisas de abandono, sujas, empoeiradas, talvez com
cheiro de banho de chuva. Disseram-me que tinha gente e poderia entrar.
Quando vi o que vi, eu não acreditava no que via: além de estar tudo ali
nas prateleiras, livros e caixas, álbuns, pedaços de tudo que a gente
fazia no IPJ, aí estavam Doris Dias, a encarregada, auxiliada por duas
jovens excepcionais. Uma escrevendo coisas e a outra organizando um
monte enorme de fotos que tiveram a chance de sair das caixas e pastas,
testemunhas das maravilhas que lá se faziam.
2. A primeira coisa
que desejo dizer-lhes é que nós somos de uma igreja da palavra, do
livro. Pensando que o IPJ estava morto, o que sobrou foi a biblioteca...
A Pastoral da Juventude terá mais vida, se tiver bibliotecas... pastas,
relatórios, fotos, filmes, papeis e mais papéis. Quando as instituições
começam a pôr fora da porta dos Centros de Pastoral relatórios,
subsídios, documentos, livros, pastas... algo de diabólico está
acontecendo. A Pastoral da Juventude precisa de bibliotecas... Toda a
biblioteca é um ninho de utopias. Junto com Doris fui olhando o que
conseguia olhar e, no dia seguinte, fui tirar fotografias do que havia
encontrado. As duas meninas ficavam olhando, admiradas, ajudando em tudo
que podiam.
3. A segunda coisa tem tudo a ver com a primeira: a
memória. Assessor que não é, não sabe e não tem memória, tem que viver
uma grande conversão. Assessor é como a vó e o vô: conta histórias para
os netos/as. Nestas histórias tem sentidos, animações, inspirações,
chapoletadas que nem imaginamos. Como gosto da frase do Papa Francisco
dizendo que “o crente é, fundamentalmente, uma pessoa que faz memória”!
Vem-me à mente uma foto que saiu no meu facebok onde estão juntos P.
Henrique Faria (PU e PJE), P. Boran, Ir. Enedina, Sônia e eu, no começo
dos anos 90. Quando a briga é por causa dos netos, a briga vale. Memória
tem tudo a ver com personalidade, autonomia, consciência crítica,
história, coerência, fidelidade. Levarei até o túmulo o fato de
adolescentes da década de 70, lá em Botafogo, me terem dito que errara
querendo ser doutor em Literatura Brasileira. “Teu lugar é junto com a
juventude...”
4. Não estou falando de chamado, de mística e
missão? Acho que sim. E quero acusá-los de um pecado que nunca
confessaram. Acuso-os de não serem evangelistas, isto é, acuso-os de não
serem do livro, de não escreverem evangelhos. É pecado um/a assessor/a
não escrever... Faz parte do chamado, da missão e da mística do assessor
ter um computador (ou coisa mais sofisticada) para escrever e não só
para ler. Por isso falei de biblioteca, de memória e de escrever. Do IPJ
sobrou a biblioteca; de D. Pedro Casaldáliga ficará não só testemunho,
mas a poesia. Assessor e biblioteca; assessor e memória; assessor e
caneta.
Nunca havia dito, o que disse para vocês. Se for achaque
de idade, me perdoem. Só sei que a meninada espera de vocês livros,
memórias e mãos escrevendo, tudo como chamado, com mística e como
missão.
16 de setembro de 2016, festa de Cornélio e Cipriano, mártires porque fizeram o que lhes recordei.
P. Hilário Dick S.J.