ASSESSORES,
MENINADA, CATARINA E CLARA
Simples recordação do Fórum de Assessores
em Florianópolis
Hilário Dick
I. PARTE
Sempre achei importante a presença de assessores/as e acompanhantes na
evangelização da juventude. Sempre me bate uma tristezinha quando vejo que
rareiam encontros de assessores. Ao mesmo tempo em que a juventude, nas
maturações que vai vivendo na descoberta do que seja autonomia, resiste ao
adulto (e deve resistir), ela fica muito feliz se pode comer do mesmo pão com
um assessor ou acompanhante que saiba ser acompanhante. Temos que dar-nos conta
que a Pastoral da Juventude, desde seu início, fala de assessoria e
acompanhamento, as duas coisas juntas. Como
disse: é bom encontrar um grupo que sonha melhorar este seu serviço junto à
juventude.
Era para eu ir e neguei, dando minhas razões: audição, idade, estas
coisas. Quando conseguiram Carmem, fiquei enciumado, e mudei, isto é, fui:
- Preciso ir! Preciso ir, também para ver e tocar a Carmem.... Nada
melhor do que durante um Fórum de Assessores, falando da vida, do que se
estudou e sistematizou, perceber como ela está, com tudo que viveu nos últimos
tempos esta companheira de longa caminhada. Eu precisava ver essa gurua... Na minha modéstia, tenho certeza, também, que
ela estava doida para dar uma olhada pelo canto do olho no meu viver misturando
saúde, disposição, resiliências e esperanças.
E fui. Sete horas de ônibus, atravessando o frio.
Vou recordar os momentos vividos, dos dias 30 de junho a 2 de julho de
2016, sem muita lógica. O que melhor, por isso, do que iniciar retomando uma
carta que Antônio Frutuoso, antigo companheiro de utopia, mandou para o Fórum?
A gente fala que uma das caraterísticas do/a acompanhante é a presença; a gente
sabe que o acompanhante também tem fome de ser acompanhado. Frutuoso marcou
presença porque sabia que ali se cultivaria a mesma utopia. A carta é essa:
Quantas saudades...
Queria estar aí com vocês, mas estou
em outra missão na diocese de Joinville, mais precisamente em Jaraguá do Sul,
acompanhando a escola da juventude, cujo tema é história e identidade da PJ.
Aliás, tenho percorrido as terras
catarinense e paranaense atendendo a chamados da formação para a gurizada
através das escolas. Gostaria que refletissem a escola como uma das mais fortes
possibilidades de mobilização e organização da PJ. Estou certo que este é o
caminho! Precisamos reavivar a escola da juventude em Floripa. Lembro-me com
carinho, e aqui sendo saudosista mesmo, de tanta gente diferente que hoje
contribui com o Reino de Deus. Gente que fez a escola de Floripa em outros
tempos.
Nessas idas e correrias, tenho feito
descobertas e aprendido muito com a juventude. Tenho insistido na máxima de
aquecermo-nos o coração para o projeto.
Recém estive em Lages onde visitei
Betânia, o lugar da amizade, da acolhida, do feminino, da poesia, do perfume e também,
e de forma muito vigorosa, de abrir os sepulcros onde se sente o cheiro e a
podridão do preconceito, da discriminação, do extermínio da juventude, de uma
sociedade conservadora e tirânica e trazer para a vida os Lázaros,
desamarrá-los e promovê-los em sua dignidade de humanos, filhos e filhas de
Deus.
O mais legal é ver os jovens
encantando-se com nossas viagens pelos lugares bíblicos.
Quanta alegria.
Quanto aprendizado.
Quanto aprendizado.
Quanta esperança.
Quanta utopia.
Quanta utopia.
Nesses dias em que o cinza do
conservadorismo cobre-nos, é mais do que urgente mostrar a juventude
"resolutamente" o caminho de Jerusalém. Há muito o que se fazer!
Queridos e queridas, que estão no
encontro, vocês estão bem acompanhados. Hilário e Carmem moram no coração da
juventude. Deixem-se conduzir pela sabedoria de ambos, não percam nada do que
dizem. Eles são os nossos guardiões do fogo, desta linda história que é a
Pastoral da Juventude do Brasil.
Do lado de cá, no norte do estado ou
onde quer que esteja, sigo fazendo aquilo que estes dois me ensinaram: estar
com a juventude, reavivando em mim o pequeno príncipe, tal qual o livro, aquele
que se deixa cativar por aquilo que é único e verdadeiro e que mora no coração
de Deus: o sagrado que é a juventude.
Até
breve!
Antônio
Frutuoso 2/07/2016
Linda esta carta. Carta de quem
tem projeto; de quem não é vaca de presépio; de quem há gente que não gosta porque vivemos num mundo e numa igreja
onde as submissões são bem-vindas.
- Quem eram os participantes do
Fórum?
Aí na foto estão 29, mas eram
mais. Era uma turba.... Muito bom rever cinco que haviam feito a Pós em
Juventude e para os quais dera aula antes de ser proibido, pelos bispos de
Santa Catarina, em pisar em terras catarinenses, mesmo que fosse para rezar. Gostei
de todos. Até do Fabrício eu resiste em ser assessor... Não guardei
os nomes; somente daqueles aos quais enchi com minha paciência. O rapaz deitado
pretende ser marista; o André é do meio e quer casar com a menina do lado dele em
abril do outro ano que vem; a Adriana é esposa de João e mostrou a língua para
ele no meio das discussões. Perguntei à negra se ela tinha consciência que só
ela era negra e ela disse que sim, com
toda a simpatia que é... E assim por diante, sem esquecer aquele que gostava de
falar.
Quem animou o processo todo do
Fórum foi a Carmem; só ajudei. A diferença é que ela, a Carmem, fala com uma
crítica mordaz e eu com uma língua que precisa ser banhada de água benta. Não
sei se ela tem mais histórias para contar do que eu.
Todas as fotos são bonitas, mas
as mais bonitas são aquelas nas quais eu estou. Na primeira estão dois casais:
João e Adriana e Carmem e eu... Na
segunda, a Priscila ajuda a formar a trindade.
Aliás,
foi a Priscila que disse que houve tempos em que ia para o grupo de jovens não
sabendo porque ia. Ia por ir...
-
Para ir...
Convencido
de que o grupo é o lugar da felicidade do jovem, xinguei ela. Quase que a
mandei embora... Mas o pessoal foi muito bom, muito curioso, assim como todo
acompanhante deve ser. Certamente me mandariam plantar mandioca se eu tivesse
feito isso.
A Carmem, com seu jeito de santa e leiga, não deixou Santa Catarina sem
ver paisagens lindas ao lado de um coqueiro menos sorridente que ela. Quase
tenho certeza que se esquecera, contudo, que estava pisando, naquele momento,
em solo de jesuítas (ou estou enganado? Morro das Pedras?). Mas isso foi depois
de ela falar sabedorias para educadores e assessores e depois de comentar
coisas acontecidas quando era assessora do Setor Juventude da CNBB.
Dando um pulo sem lógica, lá
estou pensando em voltar...
Com meu boné (que ninguém me tira,
nem o Rafael) e casacão, junto com Alexandre, a tal de Priscila, Camila e
Afonso estávamos esperando, na rodoviária, olhando para vocês todos com vontade
doida de desejar que o frio não fosse grande demais.
Na minha passagem por
Florianópolis (não, Serraria, no município de São José, do outro lado da ponte)
houve outros momentos importantes como este onde se encontram: 1) a gurua; 2) o
diretor do Colégio dos Maristas da Serraria (Adriano Broilo); 3) o João (esposo
de Adriana); 4) eu (tentando olhar direito); 5) o Diogo (pode me xingar se
estou errando, mas veio de Curitiba); 6) o outro (que me vai matar porque
esqueci o nome dele, mas me socorreu quando quase vomitei e gostei muito dele.
Me cochicharam que ele se chama Danúzio); e 7) Cleber, gente boa, bom educador,
mas que foi aluno mais ou menos na Pós em Juventude que fez. Revi a esposa dele e a filhota querida.
II. PARTE
Não sei como agradecer. Um
momento – dentro de outra geografia - onde consegui fazer rir, pensar,
perguntar, falar bobagens foi com um grupo de adolescentes, quando me levaram à
biblioteca do Colégio Marista de Serraria para falar da Pastoral Juvenil
Marista (PJM) para meninos e meninas de 14 a 17 anos. Não sabia o que me
esperava e, impulsivamente, fui dando a mão para cada um, quando cheguei,
perguntando algo.
Aí estou, com minha cara de bobo, conversando
com um deles que disse que não sabia falar. A vizinha, de 17 anos, parecia a
“defensora” de todos, mas a de amarelo ria e ria.
Falamos de muitas coisas; até os joelhos das
duas meninas prestaram atenção. Como eu não falasse muito de PJM, o grupo
reclamou:
- E como foi o começo da PJM?
Dei-me conta que viajávamos em
outros campos e aí eu falei. Até falei daquela casa que os maristas têm num dos
Morros da Ilha e eles pareciam saber do que eu estava falando.
- Pois foi lá que aprovamos as
“Diretrizes” da PJM...
O menino de azul tem 17 anos. Havia feito uma dinâmica muito bonita com
os educadores, num outro salão, no Fórum sobre Juventude e Participação. Disse
que sua mãe é diarista e é filho único. A menina ao lado do menino de boné, a
certa altura da conversa, começou a rir e não parava de rir e eu pensei que
estava chorando... Devo ter dito alguma
besteira.
E lá estava eu... A bandeira da
PJM, a flor, o boné na cadeira, ao lado de outra adolescente inteligente,
pensando com a meninada. O livro no chão é sobre a mística da educação na fé,
dos maristas, que ajudei a escrever. Todos deveriam conhecer.
Um educador nunca deixa de se
perguntar sobre o valor do grupo, sobre a dificuldade que a gurizada tem em
aceitar a igreja. Também eu.
A igreja trancada sobre si e a
garotada com vontade doida de ser escutada. Teria sentido que durante um encontro
onde não havia padres nem religiosos/as porque estavam muito ocupados, morresse
um bispo daquela região? Todos ficamos encucados com algumas coisas que
acontecem.
E lá estávamos nós, falando de
assessoria, de processo, de pedagogia, de identidade, de poder, de manipulação,
de presença, de lugares bíblicos, de Jerusaléns, de bispos e fariseus, de
Civilização do Amor, de documento 85 e outras coisas que alguns inventam
pensando que fazem bem à juventude. A missa da qual participamos na paróquia
era um horário meio ingrato e a juventude estava escondida atrás das colunas
que nem existiam. Mas nós celebramos tudo junto com aquele padre que parecia
vir de outro planeta.
E então topamos com esta foto. A
quem estaria pintando este adolescente? A si mesmo? Aquilo que ele deseja ser?
É com eles que trabalhamos, não é? Engraçada e bonita a sombra.
- Sim, mas ele quer ver o que é
uma santa...
- Uma santa?
III. PARTE
Mas preciso falar de Afonso,
Camila, Dona Maria e a dona da festa: Maria Clara. Afinal, foi lá que tomei
sopa, que dormi, que comi frutas, onde apareceu muita gente e onde minha
memória me fez voltar a um tempo atrás, quando todos ainda estavam vivos. A
Camila toda preocupada, querendo meter-se muito na minha vida. Mas é a forma de
ser dela. Maria Clara é esta menina. Sapeca
como quase todas que um dia foram Maria Clara. As crianças nos olham como quem
sabe de tudo que acertamos e erramos e aí ficam observando.
Espia se tem gente cuidando dela e a vida
vai-se tornando um sobe-desce. Afinal, o que quero?
-
Me esqueci...
Quase
caindo, Maria Clara tem vontade de gritar:
- Quero meus pais! De vez em quando meu pai fica longe, não
sei aonde e aí vó Maria me rodeia de
cuidados. Fico contente quando consigo engolir algum botão e todo mundo fica
apavorado.
- Eis!
- O que faz a vó aí? A Dona Maria?
A Dona Maria é Dona Maria; o Affonso é Affonso quase sempre;
a Camila, mesmo não querendo, sempre é ela.
- Ela, a Dona Maria, não te larga, Maria Clara, não é?
- Mesmo quando subo onde não deveria, parece que os adultos
não compreendem que quero ver o mundo.
- Ver o mundo?
-Ver
árvores, casinhas, horizontes, outras crianças, cachorros, gatos... Como eu
gostaria de ver um boi, uma vaca...
-
O mundo é assim?
-
É o que a avó procura fazer-me compreender.
Aí
aparece aquele senhor idoso, com boné.
-
Quem és tu?
- Fiquei
olhando e pensando quando aquele vô me diz:
-
Eu te vi antes de tu nasceres...
-
O quê?
-
Sim. Foi lá em Santa Cecília. Tua mãe com barriga grande... Não pude fazer
muita bagunça naquele casamento porque poderia dar um chilique.
-
Ah, me lembro sim. Me lembro da mãe com medo que eu quisesse fugir de dentro
dela. Senti que o pai tentava disfarçar calma.
-
Vamos andar a cavalo?
-
Como?
-
Ah não me lembrava que tu não sabias. Mas é simples... Senta aqui! É assim.
E
Maria Clara andou a cavalo.
-
Assim...
E
Maria Clara ficou conversando com aquele senhor.
-
Que tu tá achando desse grupo de tais de “assessores”, neste encontro onde a mãe esteve mais que o
pai?
- Tudo bem, só que não falamos de crianças. Falamos de ti
daqui a 14 anos. Eles acharam que tu ias participar de grupo de jovens.
- Acho que vou gostar porque gosto quando tem bastante gente
aqui, falando e achando que não entendo. Entendo tudo...
E ela foi, a cavalo, por vales e montes.
E o Fórum de Assessores? Não vais concluir nada?
- Quando se enxerga uma rosa bem
bonita a gente fica sem palavras, não é? Pois eu vi um canteiro de rosas
florindo. A sopa de Dona Maria, a gentileza do pessoal do Colégio, o camarão
daquela noite, as rezas, os sonhos, mesmo a conversa com aquela meninada, tudo fica em segundo plano quando se tem a alegria de
conviver com pessoas que gostam de trabalhar com o sacramento da novidade,
formando um canteiro de rosas.
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