A
RENADE – Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a Lei,
articulação nacional formada por centros de defesa, adolescentes,
famílias e defensoria públicas, iniciou em setembro deste ano a produção
de um relatório nacional sobre unidades socioeducativas de privação de
liberdade em 13 estados do país.
A
capital maranhense, São Luís, foi a segunda capital visitada pela
missão Renade, nos dias 23 e 24 de outubro. Além de encontrar nas
unidades visitadas situações desumanas, semelhante às outras unidades,
como insalubridade, falta de acesso à educação, lazer, esporte, saúde e
má alimentação, causou estarrecimento os casos relatados pelos
adolescentes de violência e tortura policial no momento de abordagem e
apreensão.
Muitos
adolescentes contaram que policiais após baterem neles e os humilharem,
conseguindo rendê-los e colocá-los no chão, empunharam suas armas e –
com os adolescentes já rendidos – atiraram em regiões estratégicas para
não levar a óbito, mas com potencial de ferir gravemente, trazendo-lhes
sequelas pelo resto de suas vidas muitas vezes. Assim, eles atiram nas
mãos, braços, pés, pernas, ombro dos adolescentes (encontramos todas
estas situações presentes, através de perfurações nos corpos dos
adolescentes).
Percebe-se
pela violência narrada, pelos adolescentes, que os agentes policiais
estão empregando uma possível forma de justiçamento. Neste sentido, os
policiais militares, nos parecem que julgam, sentenciam e aplicam pena
ilegal e arbitrária, tudo feito dentre os poucos minutos que duram a
abordagem, e sequencialmente conduzem os adolescentes às delegacias,
acusando-os de resistência à prisão e as vezes de tentativa de
homicídio, que na maioria das vezes não ocorre, mas isto conduz os
adolescentes a um outro processo de apuração e julgamento, desta vez
lícito mas fundado e sustentado por provas, incluindo-se depoimentos,
completamente inidôneos e fraudulentos.
Assim,
forjam-se versões para se consignar nos processos, cometendo
deliberadamente fraude processual e falso testemunho por parte dos
policiais. Algo que indubitavelmente deve ser de sobremaneira
considerado pelas autoridades ministeriais e judiciais do Estado ao
apurar ato infracional, sendo que a automática crença de que a “fala do
adolescente é falsa” e que a o “testemunho do policial é credível e tem
fé pública” tem que ser cotidianamente refutada diante do inominável
cenário maranhense.
Famílias
Ao
participar de reuniões com famílias de adolescentes que estão no
sistema socioeducativo maranhense, constatamos os mesmos relatos de
violência, tortura e truculência policial, porém desta vez, com as
famílias.
Nesta
reunião, foi trazido um pouco da experiência de vida relatada pelas
mulheres presentes, as quais revelaram que não somente os adolescentes,
mas como mães, avós, filhos, filhas e netos, a depender da sua
localidade de moradia – e da cor de sua pele, especialmente se residirem
em locais marcados pela pobreza, sofrem diariamente com a violência
policial.
Pessoas
que apesar de trabalharem honesta e arduamente também sofrem desta
mesma violência policial, demonstrando que a ação truculenta da polícia
não se volta – também ilegalmente – apenas aqueles que cometem ilícitos
penais, mas está direcionada a toda população de dada localidade,
reconhecidamente pobres e onde também ocorre o comércio de drogas
ilegal, ainda que por uma parcela bem menor da população do que
pressupõe e julga a Polícia Militar maranhense.
Por
estas mulheres, foram narradas situações que ameaçam e aviltam
frontalmente qualquer Estado de Direito, passando pelo testemunhar
policiais recebendo dinheiro dos traficantes locais para assegurar que
eles possam trabalhar sem serem atrapalhados em seu comércio, invasão
aos domicílios das pessoas – sem mandado judicial, abuso de poder,
humilhação verbal, violência física e morte.
Frisa-se
que essencialmente neste último caso, os indícios e provas de
homicídios cometidos por policiais militares acabam sumindo junto com a
vida de seus filhos, sendo que esta situação leva a algumas destas mães e
famílias a fazer a investigação independente e paralelamente ao Estado,
já que para a polícia a morte de seus filhos é de autoria desconhecida.
As
pessoas violadas em seus direitos fundamentais, violentadas em sua
integridade moral ou física, e, principalmente, aquelas que tiveram a
vida de seus filhos adolescentes e jovens extinta pela ação de policiais
militares no Maranhão, não confiam nas instituições estatais
maranhenses para relatarem, visando-se conduzir um processo de apuração
dos fatos, pois além dos policiais entrarem e saírem de suas casas a
hora que bem entenderem (sendo narrado que os policiais estouram o
cadeado e arrombam as portas das casas), estes também sabem quem são
essas pessoas e seus locais de moradia, sendo que fardados ou
encapuzados causam temor completamente fundado aqueles que zelam por
suas vidas e de seus familiares.
A
ação truculenta e violadora dos policiais militares que atuam,
principalmente, nas periferias de São Luís, apontam para a necessidade
de controlar seriamente a ação destes agentes no Estado do Maranhão. A
Polícia Militar do Estado do Maranhão parece ter fugido de qualquer
espécie de controle razoável de suas forças. Nas periferias da cidade, a
Constituição, Lei, Estado de Direito, ao que verificamos, não vem tendo
sentido algum, sendo simplesmente desconsiderados pelos policiais e não
assegurados às pessoas moradoras das comunidades empobrecidas, sejam
elas crianças, adolescentes ou adultas.
Por
fim, exige-se, atuação firme e ágil do Sistema de Justiça e,
principalmente, do Ministério Público no levantamento, apuração e
responsabilização dos agentes policiais autores de ações criminosas,
especialmente a prática de lesão corporal e violência letal cometidas
contra adolescentes e suas famílias. Exige-se ainda que o Estado promova
ações imediatas que institua uma polícia que zele e contribua para a
garantia dos direitos humanos, repudiando veementemente ações violadoras
de direitos fundamentais, corrupta, violenta e criminosa. Não se pode
continuar a sustentar a negação da condição humana das pessoas pobres,
negras e moradoras das periferias do Maranhão, especialmente de sua
capital, São Luiz.
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