Flávio Munhoz Sofiati[ii]
A
presença do Papa Francisco no Brasil possibilitou que pudéssemos acompanhar de
perto a postura do novo chefe máximo da Igreja Católica. Diferentemente de seus
antecessores, trata-se de um Papa que fala mais de Jesus Cristo e menos da
Igreja. Francisco está menos preocupado com o valor econômico da instituição e se
esforçou em enfatizar a dimensão espiritual do catolicismo imbuída de seu
compromisso social.
Mas
em seus discursos e homilias ficou evidente que, do ponto de vista moral, suas
posições ratificam o conservadorismo dogmático dessa instituição multinacional
com mais de 2000 anos de história. Apesar de não ter dado ênfase a esses temas,
Francisco se declarou contra qualquer tipo de legalização das drogas, além de ser
contrário ao casamento homoafetivo, uso de camisinha e legalização do aborto.
É
legítimo que as instituições religiosas defendam suas opiniões acerca dos temas
da sociedade e que promovam seu proselitismo no intuito de converter fieis. O
que não se pode mais aceitar é que as igrejas procurem impor suas ideias em
formas de lei para os não religiosos, pois o Estado deve permanecer laico e
respeitar o direito de todos os seus cidadãos. Se por um lado a Igreja Católica
não aceita realizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por outro ela não
pode impedir que o direito e desejo dos casais homoafetivos sejam realizados em
outras igrejas ou pelo próprio Estado em forma de casamento civil.
Apesar
do discurso moralista, do ponto de vista social podemos notar novas atitudes do
atual pontífice. Na chegada disse que não tinha nem ouro nem prata, mas trazia
algo mais valioso, Jesus Cristo. Além disso, deu exemplo de simplicidade na
estadia no Brasil: chegou em carro comum, dormiu em quarto igual ao dos outros
membros de sua comitiva, comeu o que lhe foi servido sem muitas exigências e
quis sempre que pôde estar próximo de seus seguidores.
Em
seu curto pontificado, já é possível observar que a maior mudança foi a de postura,
abandonando a luxuosidade que acompanhava os outros Papas, inclusive o Beato
João Paulo II. Nesse percurso, o novo Papa tem demonstrado que a Igreja
Católica precisa de mudanças significativas, mas até agora foram poucos os
movimentos em direção às transformações concretas, desse modo, é preciso
aguardar.
Uma
hipótese é que o diferencial de Francisco seja em fazer algo muito parecido com
que fez aquele ao qual ele anuncia. Jesus Cristo, assim como é descrito nos
quatro Evangelhos do Novo Testamento, nunca impôs nada aos seus seguidores, mas
ao contrário, procurou em sua curta passagem pela Terra dar exemplo. Nos
anúncios, principalmente feitos em forma de parábolas, procurou passar alguns
ensinamentos ao discípulos que após sua presença deram início ao catolicismo.
Talvez
Francisco esteja fazendo a mesma coisa, ou seja, procura com seu exemplo
transformar a estrutura milenar de uma Igreja que soube se colocar ao lado dos
poderosos e reprimir todas as manifestações teológicas críticas aos preceitos da
Santa Sé.
A
questão que fica é se apenas com a conduta do Papa é possível produzir as
mudanças necessárias para a instituição católica continuar sendo importante no
contexto social no qual se coloca como alternativa, como no caso brasileiro.
Por exemplo, quando anuncia que devemos ouvir os jovens para entender suas
demandas, implicitamente fala aos políticos, mas também ao clero para que
prestem atenção na ações do Papa e procurem segui-las. Mas será que os bispos conseguirão mudar seus
costumes e a lógica de pensar as dioceses como feudos, sendo eles verdadeiros
príncipes desses territórios?
Para
a América Latina, almeja-se um catolicismo que seja elemento de emancipação de
um povo que luta contra a exclusão, em detrimento de uma instituição alienante
que fala ao povo a partir da ótica das classes exploradoras.
Francisco
pode ser de fato o Papa da ruptura, assim como acredita Leonardo Boff, um dos
principais teólogos da libertação. No entanto, terá que produzir mudanças
efetivas na estrutura da instituição. E talvez apenas o exemplo pessoal não
seja suficiente para colocar a Igreja ao lado dos interesses dos explorados.
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