Muitos sabem que sei algo de Pastoral
da Juventude: pedagogia, história, conflitos, subsídios, manifestações de norte
a sul, debates e descobertas. Muitos sabem das coisas bonitas e feias que vivi;
muitos sabem que estive nos inícios das articulações; muitos sabem das coisas
melhores e piores que escrevi. Duvido que pouca gente andou mais pelo Brasil
afora do que eu, quando não tinha 80 anos. Só não pisei nas terras onde
veneramos Chico Mendes e também não estive no Amapá e em Roraima porque naquele
tempo a gente fazia tudo isso de ônibus. Só.
Muito da proposta pedagógica e
teológica da Pastoral da Juventude passou bem perto do meu coração. Reli há
pouco um livreto pequeno que escrevi pensando em evangelização da juventude,
onde Raquel Pulita fala de “raspar o tacho”. Refiro-me ao Mínimo do Mínimo para anunciar a Boa Nova à Juventude. A vontade é
de gravar tudo aquilo em todos e todas que se chamam ou querem ser pejoteiros/as.
Não somos do tamanho dos quilômetros que viajamos, mas do tamanho da proposta
que levamos em nossas costas.
Quero dizer, contudo, que estou
preocupado, inquieto (não sei que adjetivo usar) com relação à Pastoral da
Juventude, que é um pedaço de mim. Nos últimos tempos li o texto-base da
Ampliada desta Pastoral que se realizará em Crato. É místico ler o cartaz e a
capa do texto dizendo SERTÃO PJ - Romper barreiras, renovar a esperança e
celebrar a vida; sei do Encontro de Animadores da PJ do meu Estado, em
janeiro de 2017, na cidade onde nasci; gostaria de participar do Seminário
Nacional sobre as Realidades Juvenis, em novembro, em Itaquara (SP); como é bom
poder conversar com lideranças daqui e de lá; ver retiros e acampamentos;
sofrer e ver a Pastoral sendo atacada e xingada nas terras de Minas e em muitos
lugares. Se há buscas de um lado, há muita ignorância de outro. Até parece que
se vive na Pastoral da Juventude o que estamos obrigados a viver em nível
político, no Brasil, onde as elites parecem ter ajuntado toda a sua raiva
histórica contra os pobres. Como seria bom ver, nas mais de mil Escolas
Ocupadas em muitos lugares, a bandeira da PJ... Há um bom tempo que falamos que
os grupos da Pastoral da Juventude são, em sua grande maioria, formados de
adolescentes e eu me pergunto: que espaço tem esse assunto em “nossos” grupos?
Em que escolas estão eles/as?
Estou preocupado com a Pastoral da
Juventude por vários motivos, mas o mais forte se relaciona com o comunitário,
isto é, com os grupos de base, das paróquias, das comunidades, dos colégios,
das montanhas e vales, das periferias e dos centros. Assim como gostamos de
sermos visitados, também os grupos de jovens gostam de receber visitas, de
palavras de ânimo, de inspiração, de resistência, de mística, de amor ao povo e
de solidariedade para todos que os que sofrem. Talvez meus 80 anos se enganem,
mas eles dizem que todas mídias não são capazes de substituir o cheiro de
asfalto ou a poeira dos pés de uma visita. Vivemos de muitas “reuniões” (não a reunião
de grupo de Maria, Chico e Sebastião de 15 anos, lá naquela capela ou lá
naquela casa da tia que gosta de nós); falo das reuniões que são para marcar
outra reunião, de preferência longe de onde eu moro...
Nossa “organização” não está bem; não
se sabe ainda se ela adoeceu ou se nós a fizemos doente. Talvez as duas. Como é
bom ver jovens viajando para longe para discutir como fazer surgir e assistir
melhor os grupos que existem ou desejam existir. É isso, no entanto, o que
acontece? Quais são os debates que fazemos? Carregamos em nós a fome e a sede
do comunitário? Somos capazes de rezar estas nossas buscas de viver um
protagonismo sadio? A gente se encontra para se encontrar na utopia que vá além
do corpóreo e se afunde na utopia da construção de uma nova sociedade que
verdadeiramente se ame? Se há planejamentos, somos suficientemente valentes
para cumpri-los e exigir dos companheiros/as que sejam de fato, efetivados? Ou
fazemos como faz a nossa querida igreja, muitas vezes: planejar para mostrar
aos outros o que planejamos?
Gostei demais da ideia das diversas
Galileias que a Pastoral da Juventude quer viver sempre e no tempo que vai até
a Ampliada de janeiro de 2017. Não vi, contudo, a Galileia da organização, a
Galileia que se situaria em Jerusalém, a cidade dos sonhos e dos grandes
conflitos de poder. Vivemos uma grande necessidade: a de pensar o modo de
vivermos o poder em nossa pastoral, desde o grupo de base até aquele ponto em
que sentimos que precisamos de ajuda, também de assessoria. Todos precisamos
ter o espírito da grandeza do limite e confessar, com os apóstolos assustados
naquele lago: Mestre, ajuda-nos e
sentir que Jesus se levantou e ameaçou o vento e o furor das águas e eles
pararam e a calma voltou (Lucas, 8, 22ss).
A Galileia da organização falaria, de
modo especial, do comunitário e da organização; falaria da eucaristia, sem a
qual não existe comunidade, e da mística, sem a qual somos secos e duros de
coração e de juventude. Será que nossas comunidades celebrantes não têm saudade
de nós? Algo que me engasga é ouvir dizer: “dessa coordenação, só este ou
aquela tem grupo de base…” Muito ruim também ouvir dizer de jovens e
adolescentes de grupo que não sentiram falta do/a assessor/a. É verdade que
nossa Igreja quer mais “tios” e “tias” em vez de “assessores/as”, mas não
justifica a falta deles/as. Desconfio que não se tem coragem de amar as
juventudes, especialmente as que incomodam. Isso não é só problemas “dos
outros”; é desafio também para “nós”. Precisamos aprender a deixar-nos amar.
Reli a carta-convite que nossa
Secretária nacional escreveu. Além de recordar Dom Helder dizendo que “é
preciso mudar muito para permanecer o mesmo”, espero que ela não esteja cansada
de tanto serviço, cuidando e defendendo a proposta pedagógica de nossa Pastoral
da Juventude. Que ela e todos nós saibamos lutar por uma organização sadia,
corajosa, profética, presente, mística, serviçal e respeitosa. Fiquei um pouco
parado – reflexivo - no “romper barreiras”, no “renovar a esperança” e
desconfio que a Galiléia da organização é, de fato, uma grande necessidade, mas
não se fala dela. A mudança, talvez, precisa ser grande; tão grande que
possamos olhar a esperança de modo diferente, também na organização. É
possível? Há vezes que vejo poucos carregando tudo; há vezes que penso que os
ombros de uns/umas devem estar roxos do peso que não é ajudado por outros
ombros. Para quem ama, de fato, tudo é possível. Até dar a vida para que nasça
outra vida. Disse-me alguém que precisamos poesiar-nos = poetizar-nos. A poesia
verdadeira é reza; a reza é leve.
Final de outubro de 2016
Hilário Dick S.J.
Hilário, amigo querido, amigo dos jovens, amigo da PJ. Que texto bacana! Ao ler fiquei me recordando de uma passagem do evangelho, onde diz que o Reino é como um Homem que tira do bau coisas novas e velhas. Você faz isso com esse texto. O seu olhar de 80 anos é histórico, traz coisas "antigas" que há tempos estão precisando ser cuidadas, a organização e o cuidado com os grupos de jovens, por exemplo. E sua presença sempre preocupada, cuidadosa, percebe coisas novas também.
ResponderExcluirAo ler, fiquei com vontade de sentar junto contigo e com outros e outras de nossa história e da história atual da PJ, que na verdade se misturam e conversar. Acho que seria um papo bom, não? Um beijo. Saudades.
Envie para o Hilário o seu lindo comentário. Obrigada pela suas reflexões.
ResponderExcluirUm olhar profundo e sábio. Cuidadoso e preciso.
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