05/11/2016 20:06
PARTILHA:
Cidade
do Vaticano (RV) - Na tarde de sábado (05/11) o Papa Francisco participou na Sala Paulo VI da conclusão do III Encontro Mundial dos
Movimentos Populares.
Abaixo,
o pronunciamento na íntegra:
"Irmãs
e irmãs, boa tarde!
Neste
nosso terceiro encontro expressamos a mesma sede, a sede de justiça, o mesmo
grito: terra, casa e trabalho para todos.
Agradeço
os delegados que vieram das periferias urbanas, rurais e industriais dos cinco
continentes, mais de 60 países, que vieram para discutir mais uma vez sobre
como defender estes direitos que nos convocam. Obrigado aos Bispos que vieram
para vos acompanhar. Obrigado aos milhares de italianos e europeus que se
uniram hoje ao final deste encontro. Obrigado aos observadores e aos jovens
comprometidos na vida pública que vieram com humildade escutar e aprender.
Quanta esperança tenho nos jovens! Agradeço também ao Senhor Cardeal Turkson,
pelo trabalho que fez no Dicastério; e gostaria também de recordar a
contribuição do ex-Presidente José Mujica, que está presente.
No
último encontro, na Bolívia, com maioria de latino-americanos, falamos da
necessidade de uma mudança para que a vida seja digna, uma mudança de
estruturas; além disto, de como vocês, os movimentos populares, são semeadores
desta mudança, promotores de um processo em que convergem milhares de pequenas
e grandes ações concatenadas em modo criativo, como em uma poesia; por isto
quis vos chamar “poetas sociais”; e temos também elencado algumas tarefas
imprescindíveis para caminhar em direção a uma alternativa humana diante da
globalização da indiferença: 1. Colocar a economia à serviço dos povos; 2.
Construir a paz e a justiça; 3. Defender a Mãe Terra.
Aquele
dia, com a voz de uma “papeleira” e de um agricultor, foram leitos, na
conclusão, os dez pontos de Santa Cruz de la Sierra, onde a palavra ‘mudança’
era repleta de grande conteúdo, era ligada às coisas fundamentais que vocês
reivindicam: trabalho digno para aqueles que são excluídos do mercado de
trabalho; terra para os agricultores e as populações indígenas; moradia para as
famílias sem-teto; integração humana para os bairros populares; eliminação da
discriminação, da violência contra as mulheres e das novas formas de escravidão;
o fim de todas as guerras, do crime organizado e da repressão; liberdade de
expressão e de comunicação democrática; ciência e tecnologia a serviço dos
povos. Ouvimos também como vocês se comprometeram em abraçar um projeto de vida
que rejeite o consumismo e recupere a solidariedade, o amor entre nós e o
respeito pela natureza como valores essenciais. É a felicidade de “viver bem”
aquilo que vocês reclamam, a “vida boa”, e não aquele ideal egoísta que
enganosamente inverte as palavras e propõe a “bela vida”.
Nós
que hoje estamos aqui, de origens, crenças e ideias diferentes, poderíamos não
estar de acordo com tudo, seguramente pensamos diversamente sobre muitas
coisas, porém certamente estamos de acordo sobre estes pontos.
Soube
também de encontros e laboratórios realizados em diversos países, onde se
multiplicaram os debates à luz da realidade de cada comunidade. Isto é muito
importante porque as soluções reais para as problemáticas atuais não sairão de
uma, três ou mil conferências: devem ser fruto de um discernimento coletivo que
amadureça nos territórios junto com os irmãos, um discernimento que se torne
ação transformadora “segundo os lugares, os tempos e as pessoas”, como dizia
Santo Inácio. Caso contrário, corremos o risco das abstrações, de “certos
nominalismos declaracionistas que são belas frases, mas que não conseguem
sustentar a vida de nossas comunidades” (Carta
ao Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, 19
de março de 2016). São slogans. O colonialismo ideológico globalizante procura
impor receitas supraculturais que não respeitam a identidade dos povos. Vocês
seguem por um caminho que é, ao mesmo tempo, local e universal. Um caminho que
me recorda como Jesus pediu para organizar a multidão em grupos de cinquenta
para distribuir o pão (cfr Homilia na Solenidade de Corpus Christi, Buenos Aires, 12 de junho de
2004).
Há
pouco pudemos ver o vídeo que vocês apresentaram como conclusão deste terceiro
encontro. Vimos os vossos rostos nas discussões sobre como enfrentar “a
desigualdade que gera violência”. Tantas propostas, tanta criatividade, tanta
esperança na vossa voz que talvez teria mais motivos para lamentar-se,
permanecer paralisada nos conflitos, cair na tentação do negativo. Mesmo assim
vocês olham em frente, pensam, discutem, propõe e agem. Me congratulo convosco,
vos acompanho, vos peço para continuar a abrir caminhos e a lutar. Isto me dá
força, nos dá força. Acredito que este nosso diálogo, que se soma aos esforços
de tantos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça em todo o
mundo, está lançando raízes. Eu queria tocar em alguns temas mais específicos,
que são os que recebi de vocês, que me fizeram refletir e os devolvo neste
momento.
O terror e os muros
Todavia,
esta germinação, que é lenta, que tem os seus tempos como todas as gestações, é
ameaçada pela velocidade de um mecanismo destrutivo que age em sentido contrário.
Existem forças poderosas que podem neutralizar este processo de amadurecimento
de uma mudança que seja capaz de deslocar o primado do dinheiro e colocar
novamente no centro o ser humano, ao homem, a mulher. Aquele “fio invisível” do
qual havíamos falado na Bolívia, aquela estrutura injusta que liga todas as
exclusões que vocês sofrem, pode consolidar-se e transformar-se em um chicote,
um chicote existencial que, no Antigo Testamento, torna escravos, rouba a
liberdade, fere sem misericórdia alguns e ameaça constantemente os outros, para
abater todos como gado até onde quer o dinheiro divinizado.
Quem
governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da
desigualdade, da violência econômica, social, cultural e militar que gera
sempre mais violência em uma espiral descendente que parece não acabar nunca.
Quanta dor, quanto medo! Existe – disse recentemente – existe um terrorismo de
base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a
humanidade. Deste terrorismo de base se alimentam os terroristas derivados como
o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente
chamam terrorismo étnico ou religiosos. Nenhum povo, nenhuma religião é
terrorista. É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas de todas as
partes. Mas o terrorismo inicia quando “é expulsa a maravilha da criação, o
homem e a mulher, e colocado ali o dinheiro (Coletiva de imprensa no voo de
retorno da Viagem Apostólica à Polônia, 31 de julho de 2016). Tal sistema é
terrorista.
Há
quase cem anos, Pio XI previa o firmar-se de uma ditadura econômica global que
chamou “imperialismo internacional do dinheiro” (Carta Encíclica Quadrasegimo anno, 15 de maio de 1931, 109).
Estou falando do ano de 1931!. A sala na qual agora nos encontramos se chama
“Paulo VI”, e foi Paulo Vi que denunciou há quase cinquenta anos, a “nova forma
abusiva de domínio econômico no plano social, cultural e também político”
(Carta Encíclica Octogesima adveniens, 14 de
maio 1971, 44). São palavras duras mas justas de meus predecessores que
perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem, há milênios, aquilo que
tanto escandaliza que repete o Papa neste tempo, em que tudo isto atinge
expressões inéditas. Toda a doutrina social da Igreja e o magistério de meus predecessores
se rebela contra o ídolo do dinheiro que reina ao invés de servir, tiraniza e
aterroriza a humanidade.
Nenhuma
tirania, nenhuma tirania se sustenta sem explorar os nossos medos. Isso é
chave. Disto o fato de que toda a tirania seja terrorista. E quando este
terror, que foi semeado nas periferias são com massacres, saques, opressão e
injustiça, explode nos centros com diversas formas de violência, até mesmo com
atentados odiosos e covardes, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos
são tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que
fecham alguns e exilam outros. Cidadãos murados, aterrorizados, de um lado;
excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados de outro. É esta a vida que Deus
nosso Pai quer para os seus filhos?
O
medo é alimentado, manipulado... Porque o medo, além de ser um bom negócio para
os mercadores das armas e da morte, nos enfraquece, nos desestabiliza, destrói
as nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia diante do
sofrimento dos outros e no final nos torna cruéis. Quando ouvimos que se
festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que
se prefere a guerra à paz, quando vemos que se difunde a xenofobia, quando
constatamos que ganham terreno as propostas intolerantes; por trás desta
crueldade que parece massificar-se existe o frio sopro do medo. Vos peço para
rezarem por todos aqueles que têm medo, rezemos para que Deus dê a eles coragem
e que neste ano da misericórdia possa amolecer os nossos corações. A misericórdia
não é fácil, não é fácil...exige coragem. Por isto Jesus nos diz: ‘Não tenhais
medo” (Mt 14,27), porque a misericórdia é o melhor antídoto contra o medo. É
muito melhor do que os antidepressivos e dos ansiolíticos. Muito mais eficaz do
que os muros, das grades, dos alarmes e das armas. E é grátis: é um dom de
Deus.
Queridos
irmãos e irmãs, todos os muros caem. Todos. Não deixemo-nos enganar. Como vocês
disseram: “Continuamos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes
que nos permitem abater os muros da exclusão e da exploração. (Documento
conclusivo do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 11 de julho de
2015, Santa cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor.
O segundo ponto que eu queria tocar é: O amor e as pontes
Um
dia como este, um sábado, Jesus fez duas coisas que, nos diz o Evangelho,
apressaram o complô para mata-lo. Passava com os seus discípulos por um campo
de sementes. Os discípulos tinham fome e comeram as espigas. Nada se diz sobre
o “dono” daquele campo...subjacente é a destinação universal dos bens. O que é
certo é que, diante da fome, Jesus deu prioridade à dignidade dos filhos de
Deus antes que a uma interpretação formalística, obsequiosa e interessada da
norma. Quando os doutores da lei lamentaram com indignação hipócrita, Jesus
recordou a eles que Deus quer o amor e não sacrifícios, e explicou que o sábado
é feito para o homem e não o homem para o sábado (cfr Mt 2,27). Enfrentou o
pensamento hipócrita e presunçoso com a inteligência humilde do coração (cfr
Homilia, I Congresso de Evangelização da Cultura, Buenos Aires, 3 de novembro
de 2006), que dá sempre a prioridade ao homem e não aceita que determinadas
lógicas impeçam a sua liberdade de viver, amar e servir o próximo.
E
depois, neste mesmo dia, Jesus fez algo de “pior”, algo que irritou ainda mais
os hipócritas e os soberbos que o estavam observando porque procuram uma
desculpa para capturá-lo. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, este sinal
tão forte do trabalhar, do trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade
de trabalhar e com isso lhe restituiu a dignidade. Quantas mãos atrofiadas,
quantas pessoas privadas da dignidade do trabalho! Porque os hipócritas, para
defender sistemas injustos, se opõe a que sejam curados. Às vezes penso que
quando vocês, os pobres organizados, inventam os vossos trabalhos, criando uma
cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da
sociedade de consumo, enfrentando a inclemência do tempo para vender em uma
praça, reivindicando um pedaço de terra para cultivar para alimentar quem tem
fome, quando vocês fazem isto estão imitando Jesus, porque buscam curar, mesmo
que somente um pouquinho, mesmo se precariamente, esta atrofia do sistema
socioeconômico reinante que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês
às vezes sejam vigiados ou perseguidos, nem me surpreende que aos soberbos não
interessa aquilo que vocês dizem.
Jesus,
que naquele sábado arriscou a vida, porque depois que curou aquela mão,
fariseus e herodianos (cf Mc 3,6), dois partidos opostos entre eles, que temiam
o povo e também o império, fizeram os seus cálculos e armaram um complô para
matá-lo. Sei que muitos de vocês arriscam a vida. Sei – o quero recordar, a
quero recordar - que alguns não estão aqui hoje porque arriscaram a vida... Mas
não existe amor maior que dar a vida. Isto nos ensina Jesus.
As 3
– T, o vosso grito que faço meu, tem algo daquela inteligência humilde mas ao
mesmo tempo forte e curador. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro
do dinheiro. Um projeto que visa o desenvolvimento humano integral. Alguns
sabem que o nosso amigo Cardeal Turkson preside o Dicastério que leva este
nome: Desenvolvimento Humano integral. O contrário do desenvolvimento, se
poderia dizer, é a atrofia, a paralisia. Devemos ajudar a curar o mundo da sua
atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas “próteses”
cosméticas que não são verdadeiro desenvolvimento: crescimento econômico,
progressos tecnológicos, maior “eficiência” para produzir coisas que se
compram, são usadas e jogadas fora, nos envolvendo a todos em uma vertiginosa
dinâmica do descarte... Mas não consente o desenvolvimento do ser humano na sua
integralidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se reduz
ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da
sua dignidade, usufruindo fraternalmente a maravilha da criação. Este é o
desenvolvimento do qual temos necessidade: humano, integral, respeitoso pela
criação, desta casa comum.
Outro ponto: A Bancarrota
e o resgate
Queridos
irmãos, quero compartilhar com vocês algumas reflexões sobre outros dois temas
que, junto, junto aos “3-T” e à ecologia integral, estiveram ao centro de
vossos debates dos últimos dias e focam focalizados neste período histórico.
Sei
que vocês dedicaram um dia ao drama dos migrantes, dos refugiados e dos
deslocados. O que fazer diante desta tragédia? No Dicastério cujo responsável é
o Cardeal Turkson existe um setor que se ocupa destas situações. Decidi que, ao
menos por um certo tempo, este setor vai ficar submetido diretamente ao
Pontífice, porque esta é uma situação infame, que posso somente descrever com
uma palavra que me veio em mente espontaneamente em Lampedusa: vergonha.
Lá,
como em Lesbos, pude ouvir de perto o sofrimento de tantas famílias expulsas de
sua terra por motivos econômicos ou violências de todos os tipos, multidões
exiladas – disse isto diante das autoridades de todo o mundo – por causa
de um sistema socioeconômico injusto e de guerras que não buscaram, que não
criaram aqueles que hoje sofrem o doloroso desenraizamento da sua pátria, mas
antes muitos daqueles que se recusam em recebe-los.
Faço
minhas as palavras de meu irmão o Arcebispo Hieronymos da Grécia: “Quem vê os
olhos das crianças que encontramos nos campos de refugiados é capaz de
reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a “bancarrota” da humanidade”.
(Discurso no Campo de Refugiados de Moria, em Lesbos, 16 de abril de 2016). O
que acontece no mundo de hoje que, quando ocorre a bancarrota de um banco,
imediatamente aparecem somas escandalosas para salvá-lo, mas quando acontece
esta bancarrota da humanidade não existe sequer uma milésima parte para salvar
estes irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo transformou-se em um
cemitério e não somente o Mediterrâneo...muitos cemitérios próximos aos muros,
muros manchados de sangue inocente. Durante os dias deste encontro, o mostravam
no vídeo. Quantos morreram no mediterrâneo?
O
medo endurece o coração e se transforma em crueldade cega que se recusa em ver
o sangue, a dor, o rosto do outro. O disse o meu irmão o Patriarca Bartolomeu:
“Quem tem medo de vocês não vos olhou nos olhos. Quem tem medo de vocês não viu
os vossos rostos. Quem tem medo de vocês não vê os vossos filhos. Esquece que a
dignidade e a liberdade transcendem o medo e transcende a divisão. Esquece que
a migração não é um problema do Oriente Médio e da África do norte, da Europa e
da Grécia. É um problema do mundo”. (Discurso no campo de Refugiados de Moria,
Lesbos, 16 de abril de 2016).
É
realmente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a fugir da
própria pátria. Mas o mal é duplo quando, diante daquelas terríveis
circunstâncias, o migrante se vê lançados nas garras dos traficantes de pessoas
para atravessar as fronteiras, e é triplo se chegam na terra em que se pensava
encontrar um futuro melhor e são desprezados, explorados e até mesmo
escravizados. Isto se pode ver em qualquer canto de centenas de cidades. Ou
simplesmente não o deixa entrar.
Peço
a vocês para fazerem todo o possível e não esquecerem nunca que também Jesus,
Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados. Vos peço para
exercerem aquela solidariedade tão especial que existe entre aqueles que
sofreram. Vocês sabem recuperar fábricas das falências, reciclar aquilo que
outros jogam fora, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir
moradias, integrar bairros segregados e reclamar sem se deter como a viúva do
Evangelho que pede justiça insistentemente (cfr Lc 18,1-8). Talvez com o vosso
exemplo e a vossa insistência, alguns Estados e Organizações internacionais
abrirão os olhos e adotarão as medidas adequadas para acolher e integrar
plenamente todos aqueles que, por um motivo ou por outro, buscam refúgio longe
de casa. E também para enfrentar as causas profundas pelas quais milhares de
homens, mulheres e crianças são expulsos a cada dia de sua terra natal.
Dar
exemplo e reclamar é um modo de fazer política, e isto me leva ao segundo tema
que vocês debateram em vosso encontro: a relação entre povo e democracia. Uma
relação que deveria ser natural e fluída, mas que corre o perigo de ofuscar-se
até se tornar irreconhecível. A lacuna entre os povos e as nossas atuais formas
de democracia se alarga sempre mais como consequência do enorme poder dos
grupos econômicos e midiáticos que parecem dominá-las. Os movimentos populares,
o sei, não são partidos políticos e deixem que eu vos diga que, em grande
parte, aqui está a vossa riqueza, porque vocês expressam uma forma diversa,
dinâmica, e vital de participação social na vida pública. Mas não tenham medo
de entrar nas grandes discussões, na Política com maiúscula, e cito de novo
Paulo VI: “A política é uma maneira exigente – mas não é a única – de viver o
compromisso cristão a serviço dos outros”. (Carta Ap. Octosegima adveniens, 14 de maio de 1971, 46). Ou
esta frase que repito tantas vezes, que sempre me confundo, não sei se é de
Paulo VI ou de Pio XII: “A política é uma das formas mais elevadas da caridade,
do amor”.
Gostaria
de sublinhar dois riscos que giram ao redor da relação entre os movimentos
populares e política: o risco de deixar-se “formatar” (ndr – no sentido
de limitar os movimentos. O Papa usou a palavra “encorsetar”), e o risco de
deixar-se corromper.
Primeiro,
não deixar-se “formatar” porque alguns dizem: a cooperativa, o refeitório, o
horto agroecológico, as microempresas, o projeto dos planos assistenciais...
até aqui tudo bem. Enquanto vocês se mantiverem limitados às “políticas
sociais”, enquanto vocês não colocarem em discussão a política econômica ou a
política com a maiúscula, vocês são tolerados. A ideia das políticas sociais
concebidas como uma política em direção aos pobres, mas nunca “com” os pobres,
nunca “dos” pobres e tanto menos inserida em um projeto que reúna os povos, me
parece às vezes uma espécie de mascarado por conter os descartes do
sistema. Quando vocês, do vosso arraigamento ao território, da vossa realidade
cotidiana, do bairro, do local, da organização de trabalho comunitário, das
relações de pessoa a pessoa, ousem colocar em discussão as “macro-relações”,
quando gritam, quando indicarem ao poder um planejamento mais integral, então
não se tolera vocês mais tanto. Não se tolera tanto, porque estão saindo do
“formato”, estão se colocando no terreno das grandes decisões que alguns
pretendem monopolizar em pequenas castas. Assim a democracia se atrofia,
torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai
desencarnando-se porque deixa fora o povo na sua luta cotidiana pela dignidade,
na construção de seu destino.
Vocês,
organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da
sociedade, são chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão
passando por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação da limitação que voz
reduz a atores secundários, ou pior, a meros administradores da miséria
existente. Neste tempos de paralisias, desorientação e propostas destrutivas, a
participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer,
com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que
vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoístico e uma
segurança ilusória.
Sabemos
que “enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres,
renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e
atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do
mundo e definitivamente, nenhum problema. A iniquidade é a raiz dos males
sociais”. (Exort. Apost. Evangelii gaudium, 202). Por isto, o disse e o repito, “o futuro da humanidade não
está somente nas mãos dos grandes líderes, das grandes potências e das elites.
Está sobretudo nas mãos dos povos; na sua capacidade de organizar-se e também
nas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este processo de mudanças”. (Discurso
ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa
Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Também a Igreja pode e deve, sem
pretender ter o monopólio da verdade, pronunciar-se e agir especialmente diante
das “situações em que se tocam as chagas e os sofrimentos dramáticos, e nos
quais estão envolvidos os valores, a ética, as ciências sociais e a fé” (Pronunciamento
no encontro de Juízes e Magistrados contra o tráfico de pessoas e o crime
organizado,
Vaticano, 3 de junho 2016). Este era o primeiro risco: o risco da limitação e o
convite de entrarem na grande política.
O
segundo risco, dizia para vocês, é deixar-se corromper. Como a política não é
uma questão dos “políticos”, a corrupção não é um vício exclusivo da política.
Existe corrupção na política, existe corrupção nas empresas, existe corrupção
nos meios de comunicação, existe corrupção nas Igrejas e existe corrupção
também nas organizações sociais e nos movimentos populares. É justo dizer que
existe uma corrupção radicada em alguns âmbitos da vida econômica, em
particular na atividade financeira, e que é menos notícia do que a corrupção
diretamente e ligada ao âmbito político e social. É justo dizer que muito vezes
se utilizam os casos de corrupção com más intenções. Mas é também justo
esclarecer que aqueles que escolheram uma vida de serviço, têm uma obrigação
ulterior que se soma à honestidade com que qualquer pessoas deve agir na vida.
A medida é muito alta: é necessário viver a vocação de servir com um forte
sentido de austeridade e a humildade. Isto vale para os políticos, mas vale
também para os dirigentes sociais e para nós pastores. Disse “austeridade”.
Gostaria de esclarecer a que me refiro com a palavra austeridade. Pode ser uma
palavra equivocada. Austeridade moral, austeridade no modo de viver,
austeridade em como levo em frente a minha vida, minha família. Austeridade
moral e humana. Porque no campo mais científico, científico-econômico se quiserem,
ou das ciências do mercado, austeridade é sinônimo de ajuste. E não é a isto
que me refiro. Não estou falando disot.
À
qualquer pessoa que sejam muito apegada às coisas materiais ou ao espelho, a
quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as casas suntuosas, as roupas
refinadas, o carro de luxo, aconselharia de entender o que está acontecendo em
seu coração e de rezar a Deus para libertá-lo destes apegos. Mas, parafraseando
o ex-Presidente latino-americano que se encontra aqui, aquele que está afeiçoado
a todas estas coisas, por favor, que não entre na política, que não entre em
uma organização social ou em um movimento popular, porque causaria muito dano a
si mesmo e ao próximo e mancharia a nobre causa que assumiu. Tampouco que entre
no seminário.
Diante
da tentação da corrupção, não existe melhor remédio do que a austeridade, esta
austeridade moral e pessoal. E praticar a austeridade é, também, pregar com o
exemplo. Vos peço de não subestimarem o valor do exemplo, porque tem mais força
do que mil palavras, de mil panfletos, de mil “curtidas”, de mil retweets, de
mil vídeos no youtube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é o
melhor modo para promover o bem comum e o projeto-ponte dos “3-T”. Peço a
vocês, dirigentes, para não cansarem-se de praticar esta austeridade moral,
pessoal e peço a todos para exigir dos dirigentes esta austeridade, que – de
resto – os fará muito felizes.
Queridas
irmãs e irmãos,
A
corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumenta o descrédito
coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que sustenta
este sistema iníquo.
Gostaria,
para concluir, pedir a vocês para continuar a combater o medo com uma vida de
serviço, solidariedade e humildade em favor dos povos e especialmente daqueles
que sofrem. Vocês poderiam errar muitas vezes, todos erramos, mas se
perseveramos neste caminho, cedo ou tarde, veremos os frutos. E insisto: contra
o terror, o melhor remédio é o amor. O amor cura tudo. Alguns sabem que depois
do Sínodo sobre a Família escrevi Amoris laetitia, um documento sobre o amor em
cada família, mas também naquela outra família que é o bairro, a comunidade, o
povo, a humanidade. Alguém de vocês me pediu para distribuir um fascículo que
contém um fragmento do capítulo quatro deste documento. Penso que entregarão a
vocês na saída. E portanto com a minha bênção. Lá encontram-se alguns
“conselhos úteis” para praticar o mais importante dos mandamentos de Jesus.
Na
Amoris laetitia, cito um falecido líder afro-americano, Martin Luther King, que
sabia sempre escolher o amor fraterno até mesmo em meio ás piores perseguições
e humilhações. Quero recordá-lo com vocês: “Quando te elevas ao nível do amor,
da sua grande beleza e poder, a única coisa que buscar derrotar são os sistemas
malignos. As pessoas que estão presas por aquele sistema, as ame, porém procure
derrotar aquele sistema (...) Ódio por ódio intensifica somente a existência do
ódio e do mal no universo. Se eu te firo e tu me fere, e te retribui o golpe e
tu me retribuiu o golpe, e assim por diante, é evidente que se continua até o
infinito. Simplesmente não acaba nunca. Uma das partes deve ter um pouco de bom
senso, e aquela é a pessoa forte. A pessoa forte é a pessoa que é capaz de
quebrar a cadeia de ódio, a cadeia do mal”. (n. 118; Sermão na Igreja
Batista de Dexter Avenue, Montgomery, Alabama, 17 de novembro de 1957).
Vos
agradeço novamente pela vossa presença. Vos agradeço pelo vosso trabalho.
Desejo pedir a Deus nosso Pai que vos acompanhe e vos abençoe, que vos cumule
de seu amor e vos defenda no caminho, dando-vos em abundância a força que nos
mantém em pé e nos dá a coragem para romper a cadeia do ódio: a força é a
esperança. Vos peço, por favor, de rezarem por mim, e aqueles que não podem
rezar, saibam, pensem bem de mim e me enviem uma boa onda. Obrigado”.
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