Na tarde de ontem (31) um dos dirigentes nacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com atuação em Goiás, José Valdir Misnerovicz, foi preso no Rio Grande do Sul, numa operação conjunta das Polícias Civil dos estados de Goiás e Rio Grande do Sul. Duas viaturas da Polícia Civil de Goiás estavam no Rio Grande do Sul e estão transferindo Valdir para Goiás.
Também ontem se completaram 47 dias da prisão do militante
do MST Luiz Batista Borges, do acampamento Padre Josimo, em Santa Helena
Goiás. Ele está encarcerado no município de Rio Verde. Diante disto, as
organizações que assinam a presente Nota, indignadas diante da
parcialidade da Justiça, expõem à opinião pública nacional, o contexto e
as motivações destas prisões.
O mandado de prisão No dia 14 de abril de 2016, um
colegiado de três juízes, tendo a presidência cabeça o juiz da Comarca
de Santa Helena de Goiás (GO), expediu mandado de prisão contra os
pequenos agricultores Luiz Batista Borges, Diessyka Santana e Natalino
de Jesus, integrantes do acampamento Padre Josimo, e contra José Valdir
Misnerovicz, conhecido nacional e internacionalmente como militante e
defensor da Reforma Agrária. Luiz foi preso ao atender convite para
prestar esclarecimentos na delegacia local.
O absurdo que salta aos olhos neste processo é que o MST,
pela primeira vez, foi enquadrado na Lei nº 12.850/2013, que tipifica as
organizações criminosas. A decisão judicial, ao que tudo indica, foi
articulada com o governo estadual. Dois dias antes, em 12 de abril, a
Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás havia baixado a
portaria n. 446, que impunha às polícias Civil e Militar estado de
“prontidão”, por dois meses, para suposta “proteção da ordem pública e
da paz social”, para acompanhar “possíveis delitos em conflitos urbanos e
rurais”. A Secretaria de Segurança antevia violentas manifestações no
caso da prisão de dirigentes do movimento.
O que está por trás desta decisão? A decisão judicial
refere-se à ocupação por mais de 1.500 famílias ligadas ao MST de uma
pequena parte da Usina Santa Helena, em recuperação judicial. A usina
faz parte do grupo econômico NAOUM, que está sendo processado pela
prática de diversos crimes, entre os quais o de ocultação de documentos e
equipamentos de informática com a finalidade de apagar as provas das
fraudes e o de descumprimento das obrigações trabalhistas. Há mais de
duas mil ações trabalhistas em curso contra o grupo, o que coloca seus
ex-funcionários na absoluta marginalidade, privados das necessidades
básicas de sobrevivência.
Os trabalhadores desempregados têm feito constantes
manifestações contra a usina. Não bastasse isso, os antigos
administradores, Srs. Monir Naoum, Willian Naoum e Georges Naoum, foram
condenados pela prática do crime de apropriação indébita de
contribuições sociais, pois descontavam dos funcionários as
contribuições devidas e não as repassavam aos cofres públicos[1]. Além
disso, o grupo tem descumprido sistematicamente suas obrigações
tributárias.
Após a decretação da recuperação judicial, calculou-se que a
dívida do grupo com o erário público chegava a R$ 1.257.829.201,07.
Diante disso, a União entrou com processo de execução fiscal contra a
Usina na Vara Federal de Anápolis. Esta decidiu que os imóveis da Usina
Santa Helena fossem adjudicados, quer dizer, fossem transferidos para o
domínio da União para quitar uma pequena parte da dívida com a Fazenda
Pública Federal. E esta manifestou interesse em destinar o imóvel ao
INCRA para Reforma Agrária. Foi então que os trabalhadores sem terra
ocuparam parte do imóvel com a finalidade de pressionar os gestores
públicos para que se acelerasse o processo de transferência do mesmo
para o INCRA. Ocupação consumada, foram movidas duas ações de
reintegração de posse contra os ocupantes, em processos distintos. Nas
duas ações foi determinado o despejo forçado das mais de 1.500 famílias
acampadas, todas já produzindo alimentos na área. Todavia, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a decisão da Vara Federal de
Anápolis era da competência do juízo da Comarca de Santa Helena de
Goiás[2]. Este concluiu pela nulidade da ação julgada em Anápolis e
decidiu que “o imóvel deve ser destinado à atividade agroindustrial da
cana de açúcar e que sem terras dificilmente tocariam tal atividade com
êxito, causando danos imensuráveis ao município de Santa Helena”. É de
frisar que na área ocupada não há plantação de cana e sim de soja.
Quem é o criminoso? Diante do exposto é bde se perguntar,
qual é a organização criminosa? Quem é mais danoso à sociedade? Os sem
terra que lutam pela reforma agrária, princípio consagrado pela
Constituição da República, ou a Usina Santa Helena que deixa milhares de
trabalhadores à beira da miséria pelo não cumprimento de suas
obrigações trabalhistas, além de não honrar seus débitos com seus
fornecedores e com a União? Enquadrar o MST como organização criminosa é
a forma mais inconsequente de combater os movimentos sociais. Já há
farta jurisprudência do STJ, do STF e de Tribunais de Justiça afirmando
que a luta dos sem terra é um exercício de cidadania e que não há,
portanto, que se confundir com crime. Em todo o estado de Goiás nunca
houve condenação judicial de qualquer ocupação de terra feita pelo MST.
No contexto da crise política que o Brasil hoje vive, a portaria da
Secretaria de Segurança de Goiás, colocando suas polícias de prontidão,
nada mais é do que a tentativa de transformar o estado num laboratório
de repressão aos movimentos sociais. Ainda é no contexto desta crise que
as forças reacionárias do latifúndio e do agronegócio encontram
respaldo para suas ações violentas.
Em 2015, de acordo com o relatório Conflitos no Campo
Brasil, da CPT, foram assassinados 50 trabalhadores em conflitos no
campo, número mais elevado desde 2004. E nestes primeiros cinco meses de
2016 já são 23 trabalhadores assassinados. Entre eles se destaca a
execução de dois militantes do MST no Paraná. A Justiça, quase que num
monótono canto, coloca a defesa do direito à propriedade, mesmo não
cumprindo sua função social, acima da defesa dos mais elementares
direitos do cidadão. É do conhecimento de todos que a Reforma Agrária
gera mais empregos diretos e faz circular riquezas dentro do próprio
município, diferentemente dos grandes empreendimentos agropecuários.
Exemplo disso é o próprio município de Santa Helena de Goiás, pródigo no
uso de agrotóxicos e completamente incapaz de produzir seu próprio
alimento.
A prisão do senhor Luiz Batista Borges e de Valdir
Misnerovicz é a demonstração cabal de que lado se coloca a Justiça
brasileira. Quando os pequenos se levantam na busca e defesa dos seus
direitos são vistos como malfeitores e perigosos à tranquilidade social.
Já o esbulho dos direitos dos pequenos é visto como processo normal e é
o preço a ser pago ao desenvolvimento do país. E diante disto se curvam
os poderes constituídos. Quando é que veremos brotar a Justiça em nossa
nação?
Goiânia, 1º de junho de 2016
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST Goiás
Cajueiro – Centro de Formação, Assessoria e Pesquisa em Juventude,
Centro
de Desenvolvimento Agroecológico do Cerrado Dom Tomás Balduino – CEDAC
Central de Movimentos Populares – CMP-GO Comissão Dominicana de Justiça e
Paz do Brasil Comissão Pastoral da Terra – CPT Goiás Comissão Pastoral
da Terra – CPT Nacional Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB
Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB Regional Goiás Federação dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais na Agricultura Familiar no Estado
de Goiás – Fetaeg Grupo de Pesquisas sobre Trabalho, Território e
Políticas Públicas - TRAPPU / UFG GWATÁ Núcleo de Agroecologia e
Educação do Campo – UEG Movimento Terra Trabalho e Liberdade –
Democrático e Indpendente (MTL-DI) Movimento Camponês Popular – MCP
Mais Informações: Gilvan Rodrigues – MST Goiás: (62) 9 9991-8836 Secretaria MST Goiás: (62) 3877-7647 Antônio Canuto – CPT Nacional: (62) 4008-6412
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