Jesus Cristo, dá-nos uma espiritualidade de
iniciativa, de risco, que necessite de revisão e neologismos. Não queremos ver
as coisas somente a partir de dentro; precisamos ter algum amigo herege ou
comunista para ser inconformado como Tu, que foste crucificado pelos conservadores
da ordem e da rotina. Luis Espinal, S.J.
Vai aqui a
tradução de uma crônica de um companheiro jesuíta, escrevendo sobre o crucifixo
que Evo Morales entregou ao Papa Francisco. O Padre Luís Espinal[1]
é, desde os anos 80, um dos mártires preferidos de minha devoção. Por vezes
sentia-me solitário nesta devoção, mas ela foi plantada em mim pelos bolivianos
que encontrei e pela história do martírio do próprio Luis Espinal. Quando vi os
gestos de entrega do crucifixo ao Papa Francisco, em La Paz, senti uma enorme
alegria e senti, também, as hienas furiosas chamando o Papa de comunista, vendo
no gesto uma blasfêmia etc. É bem outra coisa que sinto como cristão, como
jesuíta e como cidadão. Por isso, a tradução da crônica de Daniel Mercado S.J.
Hilário Dick
O crucifixo que Evo Morales presenteou o Papa
desencadeou uma chuva de comentários. Muitos meios e as redes sociais foram
pródigos em críticas, desqualificações, e até reações furibundas. Algumas das expressões
mais benevolentes eram: “Crucifixo comunista”, “paradoxo”, “presente
insultante”.
Não costumo, sem mais, somar-me à corrente imperante
e, menos, neste caso onde atrás das críticas há ideologia, não precisamente na
melhor das acepções, e falta de conhecimento, para não falar de ignorância.
Para entender o gesto de Morales, é importante
saber que o presente em questão é reprodução de uma escultura feita por Luis
Espinal, o mesmo jesuíta homenageado pelo Papa. Ele esculpiu essa imagem em
madeira e decidiu colocar ali o Cristo da cruz que recebeu quando fez seus
votos. Um gesto muito significativo, o punha em contato com o centro de sua
vocação, Cristo, com o emblema de uma ideologia que era motivo de muitas de
suas inquietudes.
Como crucifixo de tempos passados, pôs-se às
claras que provavelmente pouco se sabe de Espinal ou se esquece deliberadamente
aspectos essenciais de sua vida pelos incômodos que provoca. Espinal não morreu
por acaso, foi sequestrado, torturado selvagemente num matadouro, assassinado a
sangue frio e, finalmente, seu cadáver foi abandonado num lixeiro como refugo
de uma sociedade que castiga a quem não lhe serve.
Espinal morreu em consequência de uma vida
coerente com o Evangelho, enunciando a injustiça, defendendo os direitos das
pessoas, violados sistematicamente pelo poderosos. Morreu porque lutou contra a
injustiça, a favor das vítimas e morreu porque houve pessoas dispostas a crimes
atrozes protegendo seus privilégios.
Aos personagens proféticos, as sociedades
procuram corrigi-los para domesticá-los. Prefeririam fazer de Luis Espinal um
mártir açucarado tirando-lhe tudo que as incomoda para fazê-lo inócuo e deixa-lo
pronto para o consumo massivo: um santinho de enfeite. O incidente do crucifixo
pôs em evidência que muitos recordam a Lucho,
mas não seu significado. Um simples símbolo ideológico provocou uma rebordosa e
a indignação de alguns, estes que não lhes chama a atenção, muito menos lhes
parece incoerente, um Cristo crucificado numa cruz de outro e pedras preciosas.
Se Luís Espinal sobre vive em nossa memória não
é para tranquilizar consciências, dar-nos uma palmada no ombro enquanto, diante
da injustiça, preferimos olhar para o outro lado. Sua vida, escritos e arte,
também o controvertido crucifixo, estão aí interpelando-nos. Luis nos recordará
sempre, de forma ou outra, a todos os crentes, que “uma religião que não tenha
a valentia de falar em favor do homem, tampouco tem direito de falar em favor
de Deus”.
[1] O Padre Luis Espinal Camps (Lucho
Espinal) nasceu em 2 de fevereiro de 1932, perto de Manresa, na Espanha. Como
jesuíta, foi enviado nos anos 60, para a Bolívia como missionário, lutando pela defesa dos direitos humanos. Foi cineasta, comunicador social e
radialista. Discordando das ditaduras e apoiando os movimentos dos mineiros,
provocou inimizades por parte do governo. Espinal foi detido por paramilitares, torturado e assassinado. Foi sequestrado na noite de 21 de março de
1980 e seu corpo foi encontrado no dia seguinte, numa lixeira.
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