quinta-feira, 9 de julho de 2015

Carta ao Papa Francisco






Paulo Suess, teólogo, publica carta de cristãos católicos - leigos e leigas, religiosas e religiosos, presbíteros e também membros de outras confissões - da Zona Leste de São Paulo, destinada ao Papa Francisco. A carta é publicada na página de Paulo Suess no Facebook, 06-07-2015.
Eis a carta.
Querido Papa Francisco, amado Pastor e Irmão Maior:
Saúde e Paz!
“Conte conosco” !
O senhor é dom de Deus para o mundo e para a Igreja nesta “mudança de época”. Desde sua primeira aparição na Praça de São Pedro, apresentando-se como Bispo de Roma e pedindo a bênção do Povo, nos animou e encorajou a manifestar-nos livremente como Povo de Deus.
Através de Eduardo Brasileiro e Vinicius Lima Batista, nossos representantes no Encontro Mundial de Movimento Populares na Bolívia, expressamos, “desde esse fim do mundo”, incondicional apoio ao senhor e também algumas preocupações.
Somos cristãos católicos - leigos e leigas, religiosas e religiosos, presbíteros e também membros de outras confissões - da Zona Leste de São Paulo (perto de 3 milhões de habitantes), especificamente Diocese de São Miguel Paulista, articulados sob a identidade “Igreja, Povo de Deus, em Movimento” (IPDM), cujo “Princípios da Identidade” lhe enviamos em anexo.
O grupo nasceu em 2010, por iniciativa de alguns leigos e cinco padres, no intuito de retomar o Vaticano II e as conclusões das Conferências do Episcopado Latino-Americano. Se na época vivíamos um “inverno eclesial”, com a sua providencial eleição para Bispo de Roma, somos desafiados à “pastoral em chave missionária” (Ev. Gaudium, 33) e à ousadia de ser “uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas que a uma Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Ev. Gaudium, 49).
Algumas preocupações:
1. Indiferentismo do clero (diáconos, padres, bispos, arcebispos): Sentimos que “Francisco, Bispo de Roma”, ainda não foi incorporado em muitas das Dioceses do Brasil. Caminhando para o terceiro ano de seu ministério apostólico, não vemos entusiasmo e efetivo empenho pastoral em fazer do “Evangelho da Alegria” referencial das práticas pastorais. Há certo “silêncio e desinteresse” quanto às suas “provocações” para sermos “Igreja em saída”.
2. Nomeações de bispos: há que se garantir participação dos presbitérios e dos Regionais da Conferência Episcopal na nomeação de bispos. A forma atual não privilegia nomeação de bispos pastores. Nesse sentido, há também um “lobby episcopal” conservador que encontra na Nunciatura Apostólica total e irrestrito reconhecimento. Um simples exemplo: nos últimos 35 anos, apenas 6 presbíteros da Grande São Paulo foram nomeados bispos.
Há, na Grande São Paulo, competentes e lúcidos presbíteros pastores, cujo testemunho evangélico os credenciaria ao ministério episcopal. Vêm exercer o ministério episcopal na metrópole padres de pequenas cidades de Minas Gerais, Paraná e do interior de São Paulo. Isso é real desconsideração para com os presbíteros de São Paulo, São Miguel Paulista, Santo Amaro, Osasco, Itapecerica da Serra, Guarulhos e Mogi das Cruzes. À renúncia ou transferência de um bispo diocesano o presbitério sequer é consultado sobre aquele que será o seu próximo bispo. No Brasil ainda são nomeados bispos de perfil burocrático-alfandegário, com “psicologia de príncipes”. Todos os padres, da década de oitenta, formados na Teologia da Libertação vivem marginalizados em suas próprias dioceses.
3. Os seminários de filosofia e teologia: constatamos expressivo número de seminaristas apaixonados pela “carreira eclesiástica”, facilmente constatável em suas conversas, em suas vestes clericais ultrapassadas, em seu alinhamento com presbíteros também carreiristas e dinheiristas e no empenho medíocre nos estudos filosóficos e teológicos. Para eles, o “cheiro das ovelhas” quanto mais longe, melhor. Sugerimos radical reforma dos seminários. A experiência de “casas de formação” ligadas a uma paróquia, sob responsabilidade de párocos sérios, parece-nos a melhor maneira de formar padres para a eclesiologia proposta pelo senhor na Evangelii Gaudium. Os seminaristas, num significativo número, querem ser “bispos” – como horizonte “eclesiástico”. Permita-nos dizer, Papa Francisco, os seminários podem fazer ruir todo o seu projeto de Igreja para os próximos anos.
4. Sínodo dos Bispos e comunhão sacramental para casais de segunda/terceira união: apreensivos, aguardamos uma palavra oficial e definitiva da Igreja para que casais de segunda ou terceira união possam, enfim, participar integralmente da eucaristia. O senhor mesmo deve ter encontrado, em seu ministério pastoral, inúmeros casais cristãos dedicados à evangelização e privados da comunhão sacramental. Perdoe-nos a pretensão: se “a eucaristia é fonte e cume da vida cristã” (SC 10), como aceitar a exclusão dela de pessoas de vivência cristã? Apelar para a “comunhão espiritual” num contexto litúrgico-sacramental é negar a “sacramentalidade” da própria assembleia litúrgica. 
5. Sínodo dos Bispos e população LGBTs: o mundo jamais esquecerá sua espontânea e humana expressão, quando da viagem do Rio de Janeiro de volta a Roma, no avião: “quem sou eu para julgar”? O senhor bem conhece o atroz sofrimento espiritual, psíquico, eclesial, social e familiar pelo qual passam milhões de irmãos e irmãs cuja opção homoafetiva é discriminada, demonizada, perseguida, odiada. Quantas pessoas dessa imensa população já não pensaram e tentaram o suicídio, a cada dia? Afirmar que a Igreja aceita a homossexualidade mas não a prática dela é mutilar as pessoas na totalidade do seu ser. Além disso, passamos por ridículos, aos olhos da ciência e da prática adulta, responsável e ética de milhares de pessoas.
6. Celibato opcional: No Brasil demos passos firmes quanto aos ministérios leigos, sobretudo o ministério de presidentes da Celebração da Palavra na ausência do presbítero; ministério do batismo e ministério das testemunhas qualificadas para o sacramento do matrimônio. Há inúmeras mulheres, inclusive, presidentes destas celebrações. Até recentemente eram também aceitas como testemunhas qualificadas do sacramento do matrimônio. A aceitação de ministros e ministras se, no início conheceu alguma resistência, hoje é tranquila, de um lado. Mas, de outro, ameaçada seriamente pelo clericalismo de presbíteros formados entre 1989-2014, cuja prática e pregação vêm transformando os leigos em “ovelhas”, também clericais. A aceitação da ordenação de “viri probati” não encontra resistência entre o povo. Pelo contrário, aprovação. No entanto, um certo tipo de clero, apegado a privilégios pecuniários e não disposto a avançar em tal questão, torna-se sério obstáculo. Notamos certo comodismo e preguiça pastoral e consciente opção pelo “fez-se sempre assim” (EG, 33).
7. Leigas e Leigos na Igreja: Na Evangelii Gaudium o senhor retoma a necessidade do Conselho Paroquial de Pastoral. Papa Francisco, é lastimável a maneira como são tratados milhares de leigos e, sobretudo, leigas nas paróquias e dioceses. Expressivo número delas não tem Conselho Pastoral. Os leigos mais conscientes são marginalizados, quando não afastados de suas atribuições, como “cobras venenosas”. Há inúmeros casos de destituição de Conselhos Paroquiais e Diocesanos segundo o “gosto” e os “interesses” do novo pároco ou (arce)bispo. Testemunhamos preocupante “infantilização” de leigos e leigas através de atitudes eclesiásticas autoritárias e da priorização a movimentos religiosos de perfil fundamentalista e conservador. Incentiva-se um “devocionismo” ao gosto do “consumo religioso de bênçãos imediatistas” e, quando não se persegue, deixa-se ao próprio abandono as pastorais organizadas. Como se garantir efetiva cidadania laical na Igreja?
8. Igreja e Movimentos Populares e Sociais: um vibrante agradecimento ao senhor por ter confirmado e reafirmado a “opção preferencial pelos pobres” que, de forma transversal, está presente na Evangelii Gaudium e na Laudato Si. O senhor trouxe a Igreja de volta aos desafios do mundo, empurrando-a para as “periferias existências e geográficas”. Cardeais, arcebispos, bispos, padres e seminaristas, mídia e governos, não têm mais argumento para dizer que tal opção é sociológica ou ideológica. Muitíssimo obrigado!
Saiba que os signatários desta carta, estão com o senhor. Conte conosco para todas as mudanças estruturais as quais o senhor se propõe encaminhar.
E, como sempre nos pede, “rezamos pelo senhor”.

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