Sou apenas um dos milhões que não tiveram a chance de ver o Papa Francisco de mais perto. Sou apenas um jesuíta que não conhecia o Bergoglio de mais perto, mas pelas coisas que ouvia, e ficava com os pés para trás. Sou apenas um jesuíta que teve a alegria interna profunda de ver que aquilo que o Papa Francisco começou a fazer logo no início de seu pontificado. Ele fez o que todo jesuíta sonharia fazer, pensava eu: chorar os africanos mortos, engolidos pelas águas em busca de sobrevivência. Se o Bergoglio surpreendeu, o Papa Francisco surpreendeu divinamente. A Igreja e o mundo precisavam de ares novos, de expulsões de maus espíritos, de autoritarismos e moralismos frustrantes e surgiu essa figura argentina. Em 2013 o Papa Francisco lançara a exortação apostólica Evangelii Gaudium que já deveria ter sido lida e meditada por todos que se dizem cristãos, também as hierarquias, também os cleros que deveriam ler mais. Ela era a expressão da alegria exuberante que tivemos a graça de começar a contemplar quando Francisco pediu a bênção ao povo reunido na Praça de São Pedro, em Roma.
Em 24 de maio de 2015, acompanhada de muita curiosidade, apareceu a Encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da casa comum, como diz o título, isto é, sobre a Ecologia. Entre os seis capítulos vamos referir-nos somente ao capítulo 6, intitulado “Educação e Espiritualidade Ecológicas” (nº 202 a 246). Serão unicamente referências com vontade de dizer: “leiam todo o documento, que vale a pena”, mais nada. Claro que a Encíclica tem várias chaves de leitura, mas não importa. Se a Encíclica é uma enciclopédia sobre Ecologia, o capítulo 6 é de uma mística ecológica que faz aquecer o coração.
Chamaria a atenção ao fato de, assim como Evangelii Gaudium termina com um poema a Nossa Senhora, a Estrela da nova evangelização, Laudato Si se inspira claramente no cântico de São Francisco de Assis e conclui com duas orações em forma de poema: uma dirigida aos não-crentes e a outra aos cristãos. É muito mais do que dar-se conta que Francisco foi professor de Literatura; é dizer que o mundo precisa mais de poesia do que de formulações dogmáticas.
Em meio às violências e feiuras – também no abuso da Criação – precisamos de carinhos cordiais. Como dirá o Papa, quando as pessoas se tornam auto referenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua voracidade: quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objetos para comprar, possuir e consumir. O coração se embrutece. Precisamos de outro estilo de vida. Assim como Francisco fala da necessidade do cheiro de ovelha, com seu modo de escrever e ser, ele nos diz que precisamos entender melhor o que seja ser teologicamente dionisíaco.
Se na Evangelii Gaudium o Papa já citava autores como T. de Kempis, Newmann, Bernanos, De Lubac e outros; em Laudato Si o autor preferido, nas citações, é Romano Guardini, ao lado de Dante Alighieri, Teilhard de Chardin, Paul Ricoeur e a Cúpula do Rio. Se na primeira há bastantes citações do Documento de Aparecida e citações de 07 Conferências Episcopais, na segunda volta o CELAM (com menos intensidade) e citações de 17 Conferências Episcopais, de todos os lados dos vários continentes: 6 da América Latina (exportação de resíduos, pobres etc.), 5 do mundo oriental (mundo marítimo como cemitério, os que comem demais), 03 da Europa (ambiente como um empréstimo e os pobres como vítimas da agressões ambientais), 02 do continente americano (questão dos pobres e a natureza como revelação divina), 01 da África (nova solidariedade universal). Cremos não ser um dado acidental; é a crença e a prática da colegialidade episcopal que o Papa crê, vive e pratica.
Saboreemos, por isso, um pouquinho dos nove subtítulos do capítulo 6: “Educação e Espiritualidade Ecológicas”, o capítulo que mais me impactou. 1. Quanto a outro estilo de vida lemos que quando poucos tem possibilidades de se manter no consumismo, isso só poderá provocar violência e destruição recíproca (nº 204). Sempre é possível desenvolver uma nova capacidade de sair de si mesmo (nº 208). 2. Falando de educar para a aliança entre a humanidade e o ambiente, fala da família como sede da cultura da vida e da necessidade de uma educação estética apropriada e a preservação de um ambiente sadio (nº 213 e 215). 3. Falando de conversão ecológica o Papa afirma que não é possível empenhar-se em coisas grandes apenas com doutrinas, sem uma mística que nos anima (nº 216). De forma simbólica ele afirma que “se os desertos exteriores se multiplicam no mundo, é porque os desertos interiores se tornaram muito amplos (nº 217). 4. Referindo-se à alegria e à paz, e também à sobriedade, afirma: É possível necessitar de pouco e viver muito, sobretudo quando se é capaz de dar espaço a outros prazeres cita encontros, serviços, música, arte, oração). 5. Em amor civil e político (nunca ouvira falar desta forma do amor) Francisco diz que é necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena sermos bons e honestos (nº 229). É nessa parte que ele fala da cultura do cuidado. 6. Ainda acho que um dos subtítulos mais bonitos é o dos sinais sacramentais e o descanso celebrativo. Além de falar da tendência de reduzir o descanso contemplativo ao estéril e inútil, é lindo quando fala da Eucaristia dizendo que a graça atinge uma expressão maravilhosa quando próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-Se comer por sua criatura (nº 26). 7. Muito bonito, igualmente, quando fala da Trindade e da relação entre as criaturas. Na verdade, a pessoa humana cresce, amadurece e santifica-se tanto mais, quanto mais se relaciona, sai de si mesmo para viver em comunhão com Deus, com os outros e com todas as criaturas (nº240). Além de falar de Maria como “a Rainha de toda a criação” ele conclui que estamos a caminhar para o sábado da eternidade, para a nova Jerusalém, para a casa comum do Céu (nº 243).
É certo que a Encíclica vai ser sucesso de venda e de críticas por parte de certas partes do mundo. Não importa, a profecia sempre foi perseguida.
Hilário Dick, Jesuíta, doutor em literatura e assessor e pesquisador de juventude.
Fotos - internet
Muchos saludos, querido Hilario. He leído tu articulo sobre la nueva Encíclica. Sería posible tener tu versión en español. Sería maravilloso, para poder compartirla con otras personas. Un abrazo. Te quiero mucho, siempre.
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