- Na Sexta, 15 de Maio de 2015, O Jornal Tribuna do Planalto entrevistou o Professor Dr. Flavio Sofiati, da equipe do Cajueiro e do Observatório Juventudes na Contemporaneidade. Veja a matéria completa.
Para debater o assunto, o Caderno Escola entrevistou o professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (FCS-UFG), Flávio Munhoz Sofiati. Nesta entrevista, o doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) afirma que a ideia de redução da maioridade penal é equivocada, pois não irá coibir a violência no país. Para ele, o Brasil necessita de políticas públicas eficientes para a juventude, além de uma economia forte, que possibilite oportunidades de inclusão e uma boa qualidade de vida ao jovem brasileiro.
Professor, em que contexto histórico, político e social surge essa proposta de redução da maioridade penal?
Olha, ela nasce em um contexto de extremo conservadorismo no congresso. Esse atual conjunto de deputados eleitos no ano passado, talvez seja um dos mais conservadores que o Brasil já teve nesse período recente da redemocratização. A redução da maioridade sempre esteve na pauta, a aprovação da tramitação da PEC na Câmara evidencia que hoje é algo muito real a possibilidade dessa proposta de emenda alterar a constituição, assim como é a proposta de emenda da terceirização e o ajuste fiscal do governo, por exemplo.
Fale um pouco mais sobre esses pontos citados...
Basicamente, você tem de um lado uma proposta de redução da maioridade penal com o discurso de ser uma medida imediata para resolver o problema da violência, mas por outro lado o ajuste fiscal e o projeto da terceirização que vão precarizar ainda mais a vida do povo brasileiro. No meu ponto de vista, são projetos totalmente contraditórios. Porque se os argumentos fossem reais, e se houvesse de fato o compromisso com a redução da violência, inevitavelmente teria que se pensar em leis e projetos que melhorassem a vida do povo.
Existem países que adotaram a redução da maioridade penal. Qual a sua avaliação sobre isso?
Vários países decidiram adotar a redução da maioridade penal, existem muitos que aderiram a propostas extremas de 12 a 14 anos. E foi observado que não houve nenhuma consequência positiva ao adotar a redução da idade penal. A política de tolerância zero de Nova York, que é bem difundida no Brasil, o tolerância zero para o crime, causou na população jovem americana dos bairros periféricos a construção de uma realidade cultural que transformou a prisão de adolescentes e jovens em rito de passagem, então todo jovem de determinada faixa etária acabou sendo preso. O que não resolveu o problema da violência e nem da criminalidade, apenas contribuiu para estigmatizar ainda mais um segmento social.
Qual a sua opinião acerca da amplitude que o debate sobre a redução da maioridade penal está tomando?
A população em geral sempre debateu esse tema e em qualquer oportunidade a grande imprensa traz o assunto com exemplos de crimes extremos envolvendo jovens e adolescentes, principalmente pela televisão, com os seus programas jornalísticos atuais em que a notícia é o extraordinário e não o ordinário, dando grande divulgação para os crimes, gerando um espírito geral de impunidade na população, o que não é o real. Levando em consideração todas as pesquisas, inclusive as acadêmicas, percebe-se que os crimes envolvendo jovens entre 16 e 18 anos não são os protagonistas da violência. Isso deveria ser levado em consideração ao se pensar na questão da redução da maioridade penal. Se nós estamos realmente preocupados em resolver o problema, tema grave no Brasil, nós precisamos pensar em políticas públicas para a juventude, políticas concretas. Hoje, a principal política pública do Estado para o jovem é o cárcere. E a redução da maioridade penal vai ampliar ainda mais essa política pública que é contra a vida.
No seu ponto de vista, quais as implicações sociais da redução da maioridade penal?
O governo vai legalizar algo que existe, porque os jovens entre 16 e 18 anos, até mais cedo, já são encarcerados. No passado já existiu a Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem), que hoje se chama Fundação Casa. No Estado de Goiás você tem os centros de ressocialização, que são basicamente cárceres para os menores de idade. Então a redução vai primeiro legalizar algo que o Estado já faz, que é prender os jovens. As unidades de internação brasileiras, em todo o Brasil, são precárias. E cumprem um papel de repressão e não de ressocialização dos jovens.
Por que a diminuição da maioridade penal não é a solução para o problema da violência?
Esse é um problema histórico no Brasil. Quando você carceriza o jovem, significa que você fracassou em todas as possibilidades de ressocialização na escola, na família, na sociedade. Quando você chega na situação de encarcerar o jovem significa que fracassou na possibilidade de integração do indivíduo na sociedade. O estado acaba tirando dele a responsabilidade de investir na educação, na escola, na saúde. Quando o Estado ou a grande imprensa culpabiliza o indivíduo, abre mão de toda a responsabilidade sobre aquele conjunto social.
O Estatuto da Criança e do Adolescente precisa mudar?
O Estatuto fala em medidas de ressocialização e a redução da maioridade penal vai tornar ainda mais ineficaz a lei que já existe e não é levada em consideração. Ou seja, ela viabiliza que o Estado se legitime na ação de criminalizar ainda mais os segmentos pobres da juventude. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa avançar, ele já é ultrapassado, instituído em 1990, é necessário investir em uma lei que já existe e que pode ser implementada. Por que o Estado não investe nessa perspectiva? Por que ele quer investir ainda mais na repressão? Prender me parece que hoje é a opção do Estado e precisamos convencer o governo que educar é a melhor solução para combater a violência.
Como o senhor avalia os argumentos dos que defendem a redução da idade penal?
Os argumentos são de cunho moral e são baseadas em perspectivas teológicas, não existe a análise de estudos e pesquisas. E o mais triste é ver a publicação de informações, na imprensa tradicional e alternativa, que não são corretas. O jovem do sexo masculino, pobre, negro e que mora na periferia, está incorporando hoje a figura da pessoa que precisa ser exterminada.
Quais os caminhos para conter essa violência e dar melhores condições para o jovem se desenvolver?
A primeira coisa é criar uma estrutura econômica macro de inclusão. O jovem precisa sentir que faz parte da sociedade. As instituições estão em crise, pois os jovens não às incorporam. Eles criticam a empresa, a igreja, o Estado, o sindicato, por exemplo, porque nenhuma dessas instituições conseguiu suprir a necessidade de inclusão do jovem. Quando ele se sente parte, ele muda o seu comportamento. E para se sentir parte, nós adultos precisamos partilhar poder. Isso significa fazer mudanças em nossas estruturas, na escola, na família, na universidade, na igreja, no Estado, na empresa, por exemplo. E não estamos dispostos a fazer isso, pois é preciso muita disposição.
As expectativas do jovem não são atendidas...
O jovem hoje tem fome de integração, ele está à margem da sociedade. Para isso acontecer (integração) é necessário o desenvolvimento de uma macro economia que proporcione novos postos de emprego e qualidade de vida, por exemplo. Ele precisa de condições mínimas para ter uma vida saudável e a possibilidade de pensar a sua sobrevivência para além do crime. Nenhum jovem teve a opção de escolher entre ser médico, engenheiro, advogado, professor ou traficante. A verdade é que as opções ofertadas a ele são muito restritas. A visão que ele tem do professor, do médico, do advogado, do engenheiro, é a pior possível. Então, nós temos hoje uma divisão de classe entre as profissões. Precisamos romper com essa barreira, essa fronteira que existe hoje no Brasil de classificar as profissões a partir da origem de classe. Todo mundo tem o direito de seguir suas aptidões. E eu tenho certeza que os jovens no Brasil podem ser bons médicos, bons advogados, bons professores, mas pra isso eles precisam ter oportunidades.
Como os jovens podem alcançar essas conquistas?
Através, por exemplo, de políticas públicas. Mas considero que hoje não temos políticas voltadas de fato para a juventude no Brasil. Na verdade, elas são poucas. Temos o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema de Previdência Social, que são políticas que precisam ser preservadas e valorizadas, já consolidadas e que os governos em geral, tentam o tempo todo precarizar. Do ponto de vista da Juventude, o que se tem é o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), difundido como principal política pública de juventude, mas várias pesquisas mostram que o programa é precário, que não consegue superar a ideia das ações atuais em torno de projetos e ações. Uma política pública e eficiente precisa ser interdisciplinar, interministerial, capaz de envolver um conjunto abrangente de profissionais qualificados para pensar uma ação conjunta, mas isso não existe. As cotas raciais poderiam ser um bom exemplo, mas elas não são efetivas pelo fato de ainda depender da disposição das instituições de ensino em adotá-las.
No Brasil, também temos um problema ligado ao extermínio de jovens. Qual o perfil do jovem que está sendo exterminado?
Se a gente for considerar o número alarmante de assassinatos de jovens ocorridos através dos braços coercitivos do Estado, principalmente da policia militar, é possível dizer que existe o extermínio de um segmento social importante. Que são os jovens do sexo masculino, negros e pobres com idade entre 15 e 25 anos, moradores das periferias das grandes cidades do Brasil. Esse segmento social, se você for buscar estatísticas referentes às causas de morte, elas vão mostrar que há um número expressivo de mortes causadas por motivos violentos. Esses argumentos, infelizmente, não são considerados no momento em que os parlamentares vão debater o tema da redução da maioridade penal. No meu ponto de vista, reduzir a maioridade penal não resolve a violência para os jovens e nem para a sociedade.
Quem é e o que faz?
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquisa Filho (UNESP), mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), Flávio Munhoz Sofiati é docente na Universidade Federal de Goiás (UFG). Na instituição, atua no Curso de Especialização em Políticas Públicas e no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia Social. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Teoria Sociológica Clássica, Sociologia da Religião e Sociologia da Juventude, atuando principalmente nos seguintes temas: Juventude e Religião, Catolicismo Contemporâneo, Movimento Carismático, Teologia da Libertação.
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