sábado, 14 de fevereiro de 2015

Das coisas que coração guarda... Luis Duarte Vieira


Memórias do XI Encontro Nacional da Pastoral da Juventude

De repente eu me via chorando muito, abraçado com a Aline. Estava me despedindo depois da missa de encerramento do XI ENPJ. Naquele abraço eu agradecia o que vivi na partilha da vida, do pão e da utopia no encontro das águas. Mas, na missa de abertura também chorei muito abraçado em tantos/as amigos/as. O Rici tranquilamente poderia torcer sua camiseta depois de me abraçar e acolher minhas lágrimas, minha vida que transbordava.

Na missa de abertura, de repente, a felicidade de estar ali vivendo o XI ENPJ junto de pessoas que tanto amo e que tanto marcam minha vida, na memória de outros/as que me são muito caros/as e importantes e junto da juventude que ousa fazer da vida uma vida em grupo e doada, me invadiu a ponto de eu transbordar. Por isso as lágrimas correram. A isso, se somou a certeza do amor que me abraçava e acolhia. Explico. Três anos antes, o X ENPJ me enviou para a vida religiosa. E agora, três meses depois de deixar a vida religiosa, no encontro da águas, sou abraçado e acolhido novamente pela PJ. Coisas que o coração sente e a razão não entende.

O que dizer de uma semana intensa? O que escrever do que brotou do encontro das águas, da partilha do pão, da vida e da utopia? Tanto pode ser dito. Há memórias e textos fantásticos brotando de muitos cantos de nosso país. Coisas bonitas de se ler e rezar. Digo nessas linhas algumas das coisas que o coração guarda...


1. Mestre, onde moras? (Jo 1, 38). Essa foi a pergunta que aqueles homens fizeram a Jesus. Vinde e Vede! (Jo 1, 39) é a resposta de Jesus. É o convite. É a entrega de Jesus a eles. Porque vir e ver, permanecer com, é tocar no solo sagrado da vida. É adentrar a intimidade. Estar com o Senhor é conhecê-lo intimamente, porque há coisas que só somente a partilha gratuita do dia-a-dia permite. É preciso gastar tempo. Agora o mais curioso disso tudo, é que quanto mais O conhecemos, mais nos conhecemos e mais podemos ser nós mesmos. Já dizia o Pedro Casaldáliga: “Seu nome é Jesus. Seu nome é como seria nosso nome se fossemos, de verdade, nós mesmos”. O convite a ir e ver é um convite a ser mais quem sou, a sermos mais quem somos como Pastoral da Juventude. Sem dúvida o XI foi lugar onde bebi de minha identidade. Estar com o Senhor, estando com os/as jovens e amantes da juventude, devolveu-me mais a mim mesmo. Estar com o Senhor, no encontro das águas, foi um banho de identidade pejoteira. Identidade que precisamos assumir sempre e a cada dia. O encontro sem dúvida convidou-nos, que estávamos lá ou não, a ir e ver a Pastoral da Juventude.

2. É preciso dizer das coisas que vimos e ouvimos (At 4, 20). Vimos e ouvimos muita arte, muita mística. Não foi atoa que saltou aos olhos de todos/as a beleza, a poesia, a arte que imanavam de todos os cantos, em todos os detalhes. Cada oração. Cada celebração. Cada ambiente. Tudo muito bem decorado, poetizado. Os cantos e as danças. A arte feita, tal qual vida que se entrega. Não foi possível ficar sem se emocionar. Isso tudo, fruto da mística que nos alimenta. Aqui não posso esquecer de falar da coragem de sair pelas ruas de Manaus, parando o trânsito, para cantar e celebrar a memória dos/as mártires. Memória perigosa.

3. É sabido das mulheres como as primeiras testemunhas da ressurreição (Lc 24). No ENPJ nos encontramos com essas mulheres, portadoras da Boa-Nova. Mulheres que com profecia e ternura teimam na causa do Reino. Ressoa forte Aline dizendo-nos que “num sistema que mata, que explora e que concentra a comunhão precisa nos tornar perigosos/as para lutar contra o que mata os pobres” e que é preciso “ser profetizas e profetas da esperança e da utopia”. Arde o coração recordar Ângela, da entrega silenciosa, cotidiana e ardente pela juventude. Como não lembrar da mana Laísa dizendo da “pele como o lugar do encontro” e como não sentir seu abraço? Não é possível esquecer Alessandra em sua fala profética provocando-nos a dizer de nós e perceber quem somos, nas relações que somos. E como não escutar a fala da Solange e perceber que se está diante de uma gigante na entrega pelos pobres? Não se pode deixar de dizer da coragem da Irmã recordando que reconhecemos o Mestre nos mais lascados/as desse mundo. E como não lembrar da Tica no serviço missionário que prestou? E como não dizer da Quel, vida dada no serviço e na causa? E como não lembrar da Carmem, profetiza, sacerdotisa e rainha na entrega da vida pela juventude? Ainda é preciso dizer das Ludmilas, Elaynes, Lidianes, Larissas, Janaínas, Hélias, Caróis, Silvanas, Loides, Lucimeires, Déboras, Wanderlices, Paulinhas, Sílvias, Camilas, Vanessas, Mayaras, Arleths, Fernandas, Marias, Biancas, Elsies e de tantas amigas e companheiras, portadoras da Boa-Nova do Reino.

4. O amigo Rafa em poesia e profecia recordou-nos que “o grupo é o lugar onde o Reino acontece”. Hilário já traduzia em palavra o que todos/as vivemos na pele: “o grupo é o lugar da felicidade da juventude”. Para mim e para a Pastoral da Juventude, o XI ENPJ foi tempo de fortalecer a opção pela vida em grupo. Sim, somos malucos/as em fazer da vida uma vida em grupo, num sistema que é extremamente individualista. E sim, seguiremos malucos/as fazendo da vida, vida em grupo. Seguiremos fortalecendo grupos de jovens em nossos chãos concretos. O XI ENPJ me ajudou a perceber que muitas crises que eu vivi é por assumir (ou tentar assumir) uma vida que é comunitária e grupal. Ao dizer da vida que é mais bonita se vivida em grupo é preciso dar um abraço apertado nas centenas de jovens da PJ da Arquidiocese de Manaus e do Regional Norte 1 pela doação feita comunitariamente no encontro e no serviço que prestam dia pós dia junto da juventude. Ainda quero dar um beijo na Débora pelas lágrimas que dela correram ao dizer do acompanhamento do Edinho para com que ela e os/as jovens lá de São Leopoldo/RS. Um beijo nela porque me uno a suas lágrimas dando um beijo em todos/as que me acompanharam e me acompanham, em todos/as que fazem da vida uma vida para comer o mesmo pão com a juventude.

5. Ainda é preciso dizer da profecia que pulsava nas falas em todo o XI ENPJ. Foi profecia porque anunciamos e denunciamos. Falamos da vida. Falamos de nossos afetos. Falamos de nossas relações. Falamos de nossas dores e alegrias. Falamos de nossos medos. Rimos. Choramos. Cantamos. Brincamos. Nos indignamos. Falamos da vida. Dançamos. Vibramos. Vida a ser partilhada com ou sem pão, mas sempre com utopia não nos faltou.

6. Figurante marcante no XI ENPJ foi o avô Hilário. Ele que “foi para fazer nada, dizer nada. Foi para ver o horizonte. Para nos ver.” Como não chorar diante dele, que fez da vida Eucaristia e comunhão com a juventude? Como não chorar vendo a vida de meu avô, vida que assumiu a causa da juventude e tanto apanhou por ser fiel a juventude? Isso sempre me impressionou nele: seu amor até o fim (Jo 13, 1) pela juventude. Estar com ele é comer e beber esperança e memória. É estar diante do Simeão, porque ele reconhece a Salvação (Lc 2, 30) falando em nós, juventude. Com ele aprendi que memória não é biblioteca, mas é alimento para o caminho. É preciso ser homem e mulher de memória. Não neguemos jamais quem somos como Pastoral da Juventude. Não neguemos quem nos é importante, as causas que assumimos. Não neguemos nossa história.

7. Ainda preciso dizer dos abraços e amigos/as. Dos/as que estavam em Manaus e dos/as que nos acompanharam de perto e longe. Abro o coração cheio de nomes. De tantos abraços quero dizer de um para nele dizer de todos. Era a missa de abertura. Eu chorava muito. O Vini chorava muito. Um não tinha visto o choro do outro. Quando os olhares se cruzaram nos comunicamos, nos entendemos no mistério da amizade. E logo nos abraçamos. Trazendo esse abraço, abraço cada amiga e cada amigo. É sempre bom estar com quem se ama. É sempre intenso partilhar a vida com o Maicon, sentindo seu abraço. Escutar a confissão de Pedro, de Dudu, de Guilherme foi intenso demais. As partilhas com Vini, Uilian, Gutto, Lucas, Laísa, Mirim, Gustavo, Thiesco, Rafa, Elayne, Ale, Sol, Ronni, Wanderlice, Lud, Lid, Sil, Murilo, Edinho, Joilson, Xarope, Aline, Josi e tantos/as... Eucaristias celebradas na amizade... A PJ é na minha vida e sei que na vida de todos/as os/as jovens, lugar do mistério da amizade. Como foi bom abraçar tantos/as. Que bom sentir e recordar os/as que não estavam lá conosco presencialmente. Manaus me foi Betânia, terra de amigos/as, mas sempre terra de envio.

De tudo, contudo, ficam três coisas. A vida, o pão e a utopia. A vida precisa, espera, pede e envia que sejamos doação radical, sempre com esperança, pois, do contrário seríamos hereges. O pão a ser partilhado, pode ser partilhado com ou sem pão, porque será sempre vida que precisa ser entrega, mesmo que amassada, mas sempre celebrada. A utopia, sempre nos colocará a caminho. Moram em nós, pelo Divino que somos e nas Eucaristias que celebramos, todas as utopias, que não nos deixam em paz. É que é preciso ser Jerusalém na entrega diária, no chão que se pisa, sendo pobres radicalmente e com eles/as teimar na causa do Reino. A utopia que nos move no amor e no serviço só se fortalece. Sim, restam, depois do encontro das águas, a vida, o pão e a utopia, esperando que sejamos partilha radical.
Amém!

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