Entre os dias 27 e
29 de outubro, ocorreu o Encontro Mundial dos Movimentos Populares, promovido
pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, em colaboração com a Pontifícia
Academia das Ciências Sociais. Nesta terça-feira, o Papa Francisco proferiu
o seu discurso aos participantes do encontro.
Discurso do Santo Padre Francisco aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares
Bom dia de novo. Eu estou contente
por estar no meio de vocês. Aliás, vou lhes fazer uma confidência: é a primeira
vez que eu desço aqui [na Aula Velha do Sínodo], nunca tinha vindo.
Como lhes dizia, tenho
muita alegria e lhes dou calorosas boas-vindas. Obrigado por terem aceitado
este convite para debater tantos graves problemas sociais que afligem o mundo
hoje, vocês, que sofrem em carne própria a desigualdade e a exclusão. Obrigado
ao cardeal Turkson pela sua acolhida. Obrigado, Eminência,
pelo seu trabalho e pelas suas palavras.
Este encontro
de Movimentos Populares é um sinal, é um grande sinal: vocês
vieram colocar na presença de Deus, da Igreja, dos povos, uma realidade muitas
vezes silenciada. Os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra
ela!
Não se contentam com promessas
ilusórias, desculpas ou pretextos. Também não estão esperando de braços
cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou,
se chegam, chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de
domesticar. Isso é meio perigoso. Vocês sentem que os pobres já não esperam e
querem ser protagonistas, se organizam, estudam, trabalham, reivindicam e,
sobretudo, praticam essa solidariedade tão especial que existe entre os que
sofrem, entre os pobres, e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, ao
menos, tem muita vontade de esquecer.
Solidariedade é uma palavra que nem sempre
cai bem. Eu diria que, algumas vezes, a transformamos em um palavrão, não se
pode dizer; mas é uma palavra muito mais do que alguns atos de generosidade
esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de
todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Também é lutar contra as
causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e
de moradia, a negação dos direitos sociais e trabalhistas. É enfrentar os
destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as
migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e
todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a
transformar. A solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo
de fazer história, e é isso que os movimentos populares fazem.
Este encontro nosso não responde a
uma ideologia. Vocês não trabalham com ideias, trabalham com realidades como as
que eu mencionei e muitas outras que me contaram... têm os pés no barro, e as
mãos, na carne. Têm cheiro de bairro, de povo, de luta! Queremos que se ouça a
sua voz, que, em geral, se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque
o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês
reivindicam, mas, sem a sua presença, sem ir realmente às periferias, as boas propostas
e projetos que frequentemente ouvimos nas conferências internacionais ficam no
reino da ideia, é meu projeto.
Não é possível abordar o escândalo da
pobreza promovendo estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e
convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos. Como é triste ver
quando, por trás de supostas obras altruístas, se reduz o outro à passividade,
se nega ele ou, pior, se escondem negócios e ambições pessoais: Jesus lhes
chamaria de hipócritas. Como é lindo, ao contrário, quando vemos em movimento
os Povos, sobretudo os seus membros mais pobres e os jovens. Então, sim, se
sente o vento da promessa que aviva a esperança de um mundo melhor. Que esse
vento se transforme em vendaval de esperança. Esse é o meu desejo.
Este encontro nosso
responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer
para os seus filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que
hoje vemos com tristeza cada vez mais longe da maioria: terra, teto e trabalho.
É estranho, mas, se eu falo disso para alguns, significa que o papa é
comunista.
Não se entende que
o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho –
isso pelo qual vocês lutam – são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada
raro, é a doutrina social da Igreja. Vou me deter um pouco sobre cada um deles,
porque vocês os escolheram como tema para este encontro.
Terra. No início da
criação, Deus criou o homem, guardião da sua obra, encarregando-o de cultivá-la
e protegê-la. Vejo que aqui há dezenas de camponeses e camponesas, e quero
felicitá-los por cuidar da terra, por cultivá-la e por fazer isso em
comunidade. Preocupa-me a erradicação de tantos irmãos camponeses que sobrem o
desenraizamento, e não por guerras ou desastres naturais. A apropriação de
terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados são
alguns dos males que arrancam o homem da sua terra natal. Essa dolorosa
separação, que não é só física, mas também existencial e espiritual, porque há
uma relação com a terra que está pondo a comunidade rural e seu modo de vida
peculiar em notória decadência e até em risco de extinção.
A outra dimensão do
processo já global é a fome. Quando a especulação financeira
condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões
de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de
alimentos. Isso é um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é
um direito inalienável. Eu sei que alguns de vocês reivindicam uma reforma
agrária para solucionar alguns desses problemas, e deixem-me dizer-lhes que, em
certos países, e aqui cito o Compêndio da Doutrina Social da Igreja,
"a reforma agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação
moral" (CDSI, 300).
Não sou só eu que
digo isso. Está no Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Por
favor, continuem com a luta pela dignidade da família rural, pela água, pela
vida e para que todos possam se beneficiar dos frutos da terra.
Em segundo
lugar, teto. Eu disse e repito: uma casa para cada
família. Nunca se deve esquecer de que Jesus nasceu em um estábulo porque
na hospedagem não havia lugar, que a sua família teve que abandonar o seu lar e
fugir para o Egito, perseguida por Herodes. Hoje há tantas famílias sem
moradia, ou porque nunca a tiveram, ou porque a perderam por diferentes
motivos. Família e moradia andam de mãos dadas. Mas, além disso, um teto, para
que seja um lar, tem uma dimensão comunitária: e é o bairro... e é precisamente
no bairro onde se começa a construir essa grande família da humanidade, a
partir do mais imediato, a partir da convivência com os vizinhos.
Hoje, vivemos em imensas cidades que
se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem inúmeros
prazeres e bem-estar para uma minoria feliz... mas se nega o teto a milhares de
vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e eles são chamados,
elegantemente, de "pessoas em situação de rua". É curioso como no
mundo das injustiças abundam os eufemismos. Não se dizem as palavras com a contundência,
e busca-se a realidade no eufemismo. Uma pessoa, uma pessoa segregada, uma
pessoa apartada, uma pessoa que está sofrendo a miséria, a fome, é uma pessoa
em situação de rua: palavra elegante, não? Vocês, busquem sempre, talvez me
equivoque em algum, mas, em geral, por trás de um eufemismo há um crime.
Vivemos em cidades que constroem
torres, centros comerciais, fazem negócios imobiliários... mas abandonam uma
parte de si nas margens, nas periferias. Como dói escutar que os assentamentos
pobres são marginalizados ou, pior, quer-se erradicá-los! São cruéis as imagens
dos despejos forçados, dos tratores derrubando casinhas, imagens tão parecidas
às da guerra. E isso se vê hoje.
Vocês sabem que, nos bairros
populares, onde muitos de vocês vivem, subsistem valores já esquecidos nos
centros enriquecidos. Os assentamentos estão abençoados com uma rica cultura
popular: ali, o espaço público não é um mero lugar de trânsito, mas uma
extensão do próprio lar, um lugar para gerar vínculos com os vizinhos. Como são
belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os diferentes e
que fazem dessa integração um novo fator de desenvolvimento. Como são lindas as
cidades que, ainda no seu desenho arquitetônico, estão cheias de espaços que
conectam, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro.
Por isso, nem
erradicação, nem marginalização: é preciso seguir na linha
da integração urbana. Essa palavra deve substituir completamente a palavra
erradicação, desde já, mas também esses projetos que pretendem envernizar os
bairros populares, ajeitar as periferias e maquiar as feridas sociais, em vez
de curá-las, promovendo uma integração autêntica e respeitosa. É uma
espécie de direito arquitetura de maquiagem, não? E vai por esse lado. Sigamos
trabalhando para que todas as famílias tenham uma moradia e para que todos os
bairros tenham uma infraestrutura adequada (esgoto, luz, gás, asfalto e
continuo: escolas, hospitais ou salas de primeiros socorros, clube de esportes
e todas as coisas que criam vínculos e que unem, acesso à saúde – já disse – e
à educação e à segurança.
Terceiro, trabalho.
Não existe pior pobreza material – urge-me enfatizar isto –, não existe pior
pobreza material do que a que não permite ganhar o pão e priva da dignidade do
trabalho. O desemprego juvenil, a informalidade e a falta de direitos
trabalhistas não são inevitáveis, são o resultado de uma prévia opção social,
de um sistema econômico que coloca os lucros acima do homem, se o lucro é
econômico, sobre a humanidade ou sobre o homem, são efeitos de uma cultura do
descarte que considera o ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que
pode ser usado e depois jogado fora.
Hoje, ao fenômeno da exploração e da
opressão, soma-se uma nova dimensão, um matiz gráfico e duro da injustiça
social; os que não podem ser integrados, os excluídos são resíduos,
"sobrantes". Essa é a cultura do descarte, e sobre isso gostaria de
ampliar algo que não tenho por escrito, mas que lembrei agora. Isso acontece
quando, no centro de um sistema econômico, está o deus dinheiro e não o homem,
a pessoa humana. Sim, no centro de todo sistema social ou econômico, tem que
estar a pessoa, imagem de Deus, criada para que fosse o denominador do
universo. Quando a pessoa é deslocada e vem o deus dinheiro, acontecesse essa
inversão de valores.
E, para explicitar,
lembro um ensinamento de cerca do ano 1200. Um rabino judeu explicava aos seus
fiéis a história da torre de Babel e, então, contava como, para construir
essa torre de Babel, era preciso fazer muito esforço, era preciso
fazer os tijolos; para fazer os tijolos, era preciso fazer o barro e trazer a
palha, e amassar o barro com a palha; depois, cortá-lo em quadrados; depois,
secá-lo; depois, cozinhá-lo; e, quando já estavam cozidos e frios, subi-los,
para ir construindo a torre.
Se um tijolo caía – o tijolo era
muito caro –, com todo esse trabalho, se um tijolo caía, era quase uma tragédia
nacional. Aquele que o deixara cair era castigado ou suspenso, ou não sei o que
lhe faziam. E se um operário caía não acontecia nada. Isso é quando a pessoa
está a serviço do deus dinheiro, e isso era contado por um rabino judeu no ano
1200, explicando essas coisas horríveis.
E, a respeito do
descarte, também temos que estar um pouco atentos ao que acontece na nossa
sociedade. Estou repetindo coisas que disse e que estão na Evangelii
gaudium. Hoje em dia, descartam-se as crianças porque a taxa
de natalidade em muitos países da terra diminuiu, ou se descartam as crianças
porque não se ter alimentação, ou porque são mortas antes de nascerem, descarte
de crianças.
Descartam-se os idosos, porque, bom,
não servem, não produzem. Nem crianças nem idosos produzem. Então, sistemas
mais ou menos sofisticados vão os abandonando lentamente. E agora como é
necessário, nesta crise, recuperar um certo equilíbrio. Estamos assistindo a um
terceiro descarte muito doloroso, o descarte dos jovens. Milhões de jovens. Eu
não quero dizer o dado, porque não o sei exatamente, e a que eu li parece um
pouco exagerado, mas milhões de jovens descartados do trabalho, desempregados.
Nos países da Europa –
e estas são estatísticas muito claras –, aqui na Itália, passou um
pouquinho dos 40% de jovens desempregados. Sabem o que significa 40% de jovens?
Toda uma geração, anular toda uma geração para manter o equilíbrio. Em outro
país da Europa, está passando os 50% e, nesse mesmo país dos 50%, no sul são
60%. São dados claros, ou seja, do descarte. Descarte de crianças, descarte de
idosos, que não produzem, e temos que sacrificar uma geração de jovens,
descarte de jovens, para poder manter e reequilibrar um sistema em cujo centro
está o deus dinheiro, e não a pessoa humana.
Apesar disso, a essa cultura de
descarte, a essa cultura dos sobrantes, muitos de vocês, trabalhadores
excluídos, sobrantes para esse sistema, foram inventando o seu próprio trabalho
com tudo aquilo que parecia não poder dar mais de si mesmo... mas vocês, com a
sua artesanalidade que Deus lhes deu, com a sua busca, com a sua solidariedade,
com o seu trabalho comunitário, com a sua economia popular, conseguiram e estão
conseguindo... E, deixem-me dizer isto, isso, além de trabalho, é poesia.
Obrigado.
Desde já, todo trabalhador, esteja ou
não no sistema formal do trabalho assalariado, tem direito a uma remuneração
digna, à segurança social e a uma cobertura de aposentadoria. Aqui há
papeleiros, recicladores, vendedores ambulantes, costureiros, artesãos,
pescadores, camponeses, construtores, mineiros, operários de empresas
recuperadas, todos os tipos de cooperativados e trabalhadores de ofícios
populares que estão excluídos dos direitos trabalhistas, aos quais é negada a
possibilidade de se sindicalizar, que não têm uma renda adequada e estável.
Hoje, quero unir a minha voz à sua e acompanhá-los na sua luta.
Neste encontro,
também falaram da Paz e da Ecologia.
É lógico: não pode haver terra, não pode haver teto, não pode haver trabalho se
não temos paz e se destruímos o planeta. São temas tão importantes que os Povos
e suas organizações de base não podem deixar de debater. Não podem deixar só
nas mãos dos dirigentes políticos. Todos os povos da terra, todos os homens e
mulheres de boa vontade têm que levantar a voz em defesa desses dois dons
preciosos: a paz e a natureza. A irmã mãe Terra, como chamava São
Francisco de Assis.
Há pouco tempo, eu
disse, e repito, que estamos vivendo a terceira guerra mundial, mas em cotas.
Há sistemas econômicos que, para sobreviver, devem fazer a guerra. Então,
fabricam e vendem armas e, com isso, os balanços das economia que sacrificam o
homem aos pés do ídolo do dinheiro, obviamente, ficam saneados. E não se pensa
nas crianças famintas nos campos de refugiados, não se pensa nos deslocamentos
forçados, não se pensa nas moradias destruídas, não se pensa, desde já, em tantas
vidas ceifadas. Quanto sofrimento, quanta destruição, quanta dor. Hoje,
queridos irmãos e irmãs, se levanta em todas as partes da terra, em todos os
povos, em cada coração e nos movimentos populares, o grito da paz: nunca mais a
guerra!
Um sistema econômico centrado no deus
dinheiro também precisa saquear a natureza, saquear a natureza, para sustentar
o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente. As mudanças climáticas, a
perda da biodiversidade, o desmatamento já estão mostrando seus efeitos
devastadores nos grandes cataclismos que vemos, e os que mais sofrem são vocês,
os humildes, os que vivem perto das costas em moradias precárias, ou que são
tão vulneráveis economicamente que, diante de um desastre natural, perdem tudo.
Irmãos e irmãs, a
criação não é uma propriedade da qual podemos dispor ao nosso gosto; muito
menos é uma propriedade só de alguns, de poucos: a criação é um dom, é um
presente, um dom maravilhoso que Deus nos deu para que cuidemos dele e o
utilizemos em benefício de todos, sempre com respeito e gratidão. Talvez vocês
saibam que eu estou preparando uma encíclica sobre Ecologia: tenham a certeza
de que as suas preocupações estarão presentes nela. Agradeço-lhes, aproveito
para lhes agradecer, pela carta que os integrantes da Via Campesina,
da Federação dos Papeleiros e tantos outros irmãos me fizeram chegar
sobre o assunto.
Falamos da terra, de trabalho, de
teto... falamos de trabalhar pela paz e cuidar da natureza... Mas por que, em
vez disso, nos acostumamos a ver como se destrói o trabalho digno, se despejam
tantas famílias, se expulsam os camponeses, se faz a guerra e se abusa da
natureza? Porque, nesse sistema, tirou-se o homem, a pessoa humana, do centro,
e substituiu-se por outra coisa. Porque se presta um culto idólatra ao dinheiro.
Porque se globalizou a indiferença! Se globalizou a indiferença. O que me
importa o que acontece com os outros, desde que eu defenda o que é meu? Porque
o mundo se esqueceu de Deus, que é Pai; tornou-se um órfão, porque deixou Deus
de lado.
Alguns de vocês expressaram: esse
sistema não se aguenta mais. Temos que mudá-lo, temos que voltar a levar a
dignidade humana para o centro, e que, sobre esse pilar, se construam as
estruturas sociais alternativas de que precisamos. É preciso fazer isso com
coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, mas sem fanatismo. Com
paixão, mas sem violência. E entre todos, enfrentando os conflitos sem ficar
presos neles, buscando sempre resolver as tensões para alcançar um plano
superior de unidade, de paz e de justiça.
Os cristãos têm
algo muito lindo, um guia de ação, um programa, poderíamos dizer,
revolucionário. Recomendo-lhes vivamente que o leiam, que leiam as Bem-aventuranças que
estão no capítulo 5 de São Mateus e 6 de São Lucas(cfr.
Mt 5, 3; e Lc 6, 20) e que leiam a passagem de Mateus 25. Eu disse
isso aos jovens no Rio de Janeiro. Com essas duas coisas, vocês têm o programa
de ação.
Sei que entre vocês há pessoas de
distintas religiões, ofícios, ideias, culturas, países, continentes. Hoje,
estão praticando aqui a cultura do encontro, tão diferente da xenofobia, da
discriminação e da intolerância que vemos tantas vezes. Entre os excluídos,
dá-se esse encontro de culturas em que o conjunto não anula a particularidade,
o conjunto não anula a particularidade. Por isso eu gosto da imagem do
poliedro, uma figura geométrica com muitas caras distintas. O poliedro reflete
a confluência de todas as particularidades que, nele, conservam a
originalidade. Nada se dissolve, nada se destrói, nada se domina, tudo se
integra, tudo se integra. Hoje, vocês também estão buscando essa síntese entre
o local e o global. Sei que trabalham dia após dia no próximo, no concreto, no
seu território, seu bairro, seu lugar de trabalho: convido-os também a
continuarem buscando essa perspectiva mais ampla, que nossos sonhos voem alto e
abranjam tudo.
Assim, parece-me importante essa
proposta que alguns me compartilharam de que esses movimentos, essas
experiências de solidariedade que crescem a partir de baixo, a partir do
subsolo do planeta, confluam, estejam mais coordenadas, vão se encontrando,
como vocês fizeram nestes dias. Atenção, nunca é bom espartilhar o movimento em
estruturas rígidas. Por isso, eu disse encontra-se. Também não é bom tentar
absorvê-lo, dirigi-lo ou dominá-lo; movimentos livres têm a sua dinâmica
própria, mas, sim, devemos tentar caminhar juntos. Estamos neste salão, que é o
salão do Sínodo velho. Agora há um novo. E sínodo significa precisamente
"caminhar juntos": que esse seja um símbolo do processo que vocês começaram
e estão levando adiante.
Os movimentos populares expressam a
necessidade urgente de revitalizar as nossas democracias, tantas vezes
sequestradas por inúmeros fatores. É impossível imaginar um futuro para a
sociedade sem a participação protagônica das grandes maiorias, e esse
protagonismo excede os procedimentos lógicos da democracia formal. A
perspectiva de um mundo da paz e da justiça duradouras nos exige superar o
assistencialismo paternalista, nos exige criar novas formas de participação que
inclua os movimentos populares e anime as estruturas de governo locais,
nacionais e internacionais com essa torrente de energia moral que surge da
incorporação dos excluídos na construção do destino comum. E isso com ânimo
construtivo, sem ressentimento, com amor.
Eu os acompanho de coração nesse
caminho. Digamos juntos com o coração: nenhuma família sem moradia, nenhum
agricultor sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a
dignidade que o trabalho dá.
Queridos irmãos e irmãs: sigam com a
sua luta, fazem bem a todos nós. É como uma bênção de humanidade. Deixo-lhes de
recordação, de presente e com a minha bênção, alguns rosários que foram
fabricados por artesãos, papeleiros e trabalhadores da economia popular da
América Latina.
E nesse acompanhamento eu rezo por
vocês, rezo com vocês e quero pedir ao nosso Pai Deus que os acompanhe e os
abençoe, que os encha com o seu amor e os acompanhe no caminho, dando-lhes
abundantemente essa força que nos mantém de pé: essa força é a esperança, a
esperança que não desilude. Obrigado.
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