Novamente
o tema da redução da maioridade penal entra na pauta do debate nacional. Agora
o risco eminente de aprovação no Congresso é fato. Coincidentemente em um
momento em que grande parte dos políticos eleitos para representar os cidadãos
estão com sua popularidade em cheque em vista das muitas denúncias de
corrupção.
São
inúmeros os argumentos contra esta “política pública” perversa, mas do ponto de
vista dos que defendem a redução o argumento central é a luta pela diminuição
da violência. Argumento que não se sustenta, visto que não há experiência no
mundo que comprove tal fato. Por exemplo, em Nova Iorque a política da
“Tolerância Zero” fez com que a prisão de jovens empobrecidos de bairros da
periferia se tornasse um rito de passagem na adolescência. O projeto apenas
estigmatizou ainda mais os moradores de áreas desprivilegiadas e não conseguiu
diminuir a violência.
José
Machado Pais, sociólogo português especialista em juventudes, condena a
interpretação da “delinquência juvenil” baseada na perspectiva da criminologia
funcionalista. Para ele a lógica de entender o jovem como um potencial
criminoso, em vista de uma natural incapacidade em se ajustar às normas sociais,
compromete a própria integração das juventudes em seus mais variados contextos.
No
caso do Estado brasileiro, por exemplo, há um déficit histórico de políticas
sociais para com a classe trabalhadora e sua juventude. Os índices são
predominantemente desfavoráveis para esse segmento social: são os com maior
número de desempregados, com escolarização precarizada, acesso a esporte e
lazer limitado e a participação cultural reduzidíssima.
Helena
Abramo, que coordenou a pesquisa Perfil da Juventude Brasileira, constata que o Brasil carrega uma enorme
dívida social para com o seu povo. Ela afirma que o país ainda não se revelou
capaz de satisfazer as necessidades básicas de milhões de brasileiros. A
política de inclusão pelo consumo, desenvolvida nos últimos anos, não foi
suficiente para integrar de forma efetiva os empobrecidos. A chamada Classe C,
ou nova classe média, encontra-se hoje endividada e com seu potencial de compra
reduzido.
Diante
disso, constata-se que a resolução das questões criminais envolvendo a
juventude só é possível de ser encaminhada com o avanço de políticas sociais e
econômicas. O Governo precisa com urgência mudar radicalmente a sua política
econômica, ressignificar conceitos e transformar o que é chamado hoje pelos
liberais de gastos sociais em investimentos para o futuro, política de
prevenção e inclusão social de fato. Inclusão pelo trabalho, com criação de
novos postos e mecanismos de diminuição do desejo desenfreado de acúmulo dos
capitalistas.
No
entanto, isso exigiria do Governo uma total mudança de opção de classe,
considerando que o Estado brasileiro está predominantemente a serviço dos ricos.
Na atual conjuntura, um Estado a serviço dos pobres significaria melhoria da
qualidade de vida para a maior parte da sociedade. A redução da violência, o
aumento da mobilidade, saúde e educação pública e de qualidade são benefícios
que atingem não somente à classe trabalhadora, mas também a classe média se
beneficia destes investimentos sociais.
Tratar
o moleque da “perifa” como eterno suspeito é, além de uma prática
preconceituosa, o caminho equivocado para a tão sonhada cultura da paz. Paz só
se for sem fome e essa juventude tem fome de inclusão social. Almejam, como
todos, os postos mais respeitados e valorizados do mercado de trabalho. E
merecem oportunidades para serem bem-sucedidos. A sociedade tem a obrigação de
dar oportunidades para esse segmento social. Caso contrário, o tráfico,
lamentavelmente, continuará sendo mais interessante enquanto possibilidade de
inserção.
Flávio é professor de sociologia da UFG e da Coordenação do Observatório Juventudes na
Contemporaneidade, membro do Centro de Juventude Cajueiro.